Page 56 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Mas era a letra que ele sabia melhor. Tinha uma voz bonita. As crianças
                  fizeram coro com ele. Ajudava a afastar o medo. Tio André e a feiticeira
                  não cantaram.

                         No fim do hino Digory sentiu que alguém lhe agarrava o cotovelo.
                  Pelo cheiro de conhaque e de charuto, só podia ser tio André. Este, muito
                  cautelosamente, puxava o sobrinho para longe dos outros. Quando estavam
                  a uma certa distância, o velho pôs a boca tão perto da orelha do menino que
                  fez cócegas.

                         – Agora, meu caro. Pegue o anel. Vamos cair fora.

                         Mas a feiticeira tinha ouvido fino. Saltando do cavalo, gritou:
                         –  Idiota!  Já  se  esqueceu  de  que  posso  ouvir  o  pensamento  dos
                  humanos? Solte o menino. Se tentar trair-me de novo, vou arranjar-lhe uma
                  vingança de que ainda não se ouviu falar desde que os mundos são mundos.

                         Digory, por sua vez, acrescentou:

                         –  E  se  o  senhor  acha  que  sou  um  monstrinho  nojento  capaz  de  ir
                  embora, deixando Polly... e o cocheiro... e o cavalo... num lugar como este,
                  está redondamente enganado.

                         – Você não passa de um menino muito malcriado e atrevido – disse
                  tio André.

                         – Silêncio! – bradou o cocheiro.
                         No escuro, finalmente, alguma coisa começava a acontecer. Uma voz
                  cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde
                  vinha. Parecia vir de todas as direções, e Digory chegou a pensar que vinha
                  do fundo da terra. Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não
                  tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais
                  belo  som  que  ele  já  ouvira.  Tão  bonito  que  chegava  a  ser  quase
                  insuportável.  O  cavalo  também  parecia  estar  gostando  muito,  pois
                  relinchou como faria um cavalo de carga se, depois de anos e anos de duro
                  trabalho,  se  encontrasse  livre  na  mesma  campina  onde  correra  quando
                  jovem e, de repente, visse um velho amigo cruzando a relva e trazendo-lhe
                  um torrão de açúcar.

                         – Meu Deus! – exclamou o cocheiro. – Não é uma beleza?

                         E duas coisas maravilhosas aconteceram ao mesmo tempo.

                         Uma: outras vozes reuniram-se à primeira, e era impossível contá-
                  las. Vozes harmonizadas à primeira, mais agudas, vibrantes, argênteas.
                         Outra: a escuridão em cima cintilava de estrelas. Elas não chegaram

                  devagar,  uma  por  uma,  como  fazem  nas  noites  de  verão.  Um  momento
                  antes,  nada  havia  lá  em  cima,  só  a  escuridão;  num  segundo,  milhares  e
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