Page 37 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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criança: o que talvez seja errado para você, ou para qualquer pessoa
comum, não é errado para uma rainha como eu. A responsabilidade do
mundo pesa sobre os nossos ombros. Precisamos estar livres de todas as
normas. Nosso destino é grandioso e solitário.
Digory então lembrou-se de que tio André pronunciara aquelas
mesmas palavras. Só que ditas pela rainha Jadis soavam muito mais
imponentes, talvez porque seu tio não tivesse dois metros de altura e nem
fosse estonteantemente belo.
– Que fez a senhora depois? – perguntou.
– Já havia lançado intensas magias na sala onde se assentam as
imagens de meus antepassados. E a força desse encantamento era que eu
deveria dormir entre eles, como uma estátua, sem precisar de alimento ou
calor, ainda que passassem mil anos, até que chegasse alguém, tocasse o
sino e me acordasse.
– Foi a Palavra Execrável que botou o sol desse jeito? – perguntou
Digory.
– De que jeito?
– Tão grande, tão vermelho, tão frio.
– Sempre foi assim. Pelo menos, há algumas centenas de milhares de
anos. Vocês acaso possuem um sol diferente?
– É, o nosso é menor e mais amarelado. E produz muito mais calor.
– A... a... ah! O... o... oh! – exclamou a rainha. Digory viu em sua
face aquele olhar esfomeado e cobiçoso que reparara em tio André. – Ah,
quer dizer que seu mundo é mais jovem!
Olhou por mais algum tempo para a cidade vazia (se estava
arrependida pelo que fizera, não o demonstrou) e disse:
– Agora, vamos partir. Está fazendo frio aqui, no fim de todas as
eras.
– Partir para onde? – perguntaram as duas crianças.
– Para onde? – repetiu Jadis, com real surpresa. – Para o mundo de
vocês, é claro.
Polly e Digory se entreolharam, estupefatos.
Polly sentira antipatia pela Rainha à primeira vista; e o próprio
Digory, que agora sabia de tudo, já estava farto dela. Não era, em absoluto,
o tipo de pessoa que nos dê prazer convidar à nossa casa. E, mesmo que o
quisessem, não tinham a menor idéia de como fazê-lo.