Page 524 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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fundo  se  desce,  mais  escuro  e  frio  se  torna  tudo.  É  ali  no  fundo,  na
                  escuridão e no frio, que vivem os seres perigosos – o Calamar, a Serpente
                  do  Mar  e  o  Monstro  Marinho  das  lendas.  No  mar,  os  vales  são  lugares
                  selvagens. Os habitantes do mar sentem nos vales o que nós sentimos nos
                  montes, e pensam dos seus montes o que pensamos dos nossos vales. É nas
                  alturas que há calor e paz. Os caçadores destemidos e os cavaleiros valentes
                  do mar descem às profundezas em busca de aventuras, mas voltam a seus
                  lares nos montes para o descanso em sossego.

                         Passaram a cidade, e o fundo do mar continuava a subir. Estava a uns
                  dois mil metros. O caminho sumira. Navegavam sobre uma região aberta e
                  ampla  como  um  parque,  salpicada  de  maciços  de  vegetação  de  colorido
                  brilhante.

                         Então, de repente – Lúcia quase gritou de exultação –, ela viu gente:
                  cerca de quinze ou vinte criaturas montadas em cavalos-marinhos, não os
                  pequenos, como os do aquário, mas bem maiores que as criaturas que os
                  montavam.  “Deve  ser  gente  de  alta  estirpe”,  pensou  Lúcia,  pois
                  vislumbrava  reflexos  de  ouro  na  cabeça  de  alguns,  e  serpentinas  de
                  esmeraldas e outras pedras cor-de-laran-ja flutuavam dos seus ombros na
                  corrente.

                         – Que peixes chatinhos! – exclamou ela. Entre Lúcia e o Povo do
                  Mar  viera  interpor-se  um  cardume  de  peixes  gorduchos,  nadando  muito
                  perto  da  superfície.  No  entanto,  apesar  de  lhe  terem  tapado  a  visão,
                  ofereceram-lhe  um  espetáculo  do  maior  interesse.  E,  de  súbito,  um
                  peixinho de ar atrevido, de espécie nunca vista, veio à superfície e voltou a
                  mergulhar, levando na boca um peixe gorducho.
                         O Povo do Mar presenciou a cena rindo e conversando. Antes que o
                  peixe  caçador  chegasse  junto  deles  com  a  presa,  já  soltavam  outro  da

                  mesma espécie.
                         –  É  uma  caçada!  –  concluiu  Lúcia.  –  É  uma  caçada  com  falcões.
                  Cavalgam com aqueles peixes bravos nos pulsos como fazíamos em Cair
                  Parável com os nossos falcões. Depois deixam que eles voem, ou melhor,
                  que nadem para caçar os outros. Como...

                         Parou porque a cena agora era diferente. O Povo do Mar notara o
                  Peregrino.  O  cardume  de  peixes  se  espalhava  em  todas  as  direções.  Os
                  cavaleiros dirigiam-se agora para a superfície para saber o que era aquela
                  coisa escura e grande que se metera entre eles e o sol. Estavam tão perto da
                  superfície  que,  se  estivessem  no  ar,  Lúcia  poderia  ter  falado  com  eles.
                  Usavam todos coroas, talvez de ouro, e muitos tinham colares de pérolas.
                  Não usavam roupas. Os corpos eram da cor de marfim antigo, e o cabelo de
                  um tom púrpura bastante escuro. O rei (só podia ser o rei) olhava orgulhosa
                  e  altivamente  para  Lúcia,  agitando  um  tridente  que  tinha  na  mão.  Os
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