Page 607 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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cercando uma água parada. Perto de um pequeno caís estava um barco sem
                  mastro e sem velas, mas cheio de remos. Foram obrigados a embarcar na
                  proa, num espaço vago à frente dos bancos dos remadores.

                         – Uma coisa eu gostaria de saber... – observou Brejeiro. – Se alguém
                  de nosso mundo... lá de cima, quero dizer... já fez esta viagem.

                         – Muitos já tomaram o barco das praias pálidas – replicou o guardião
                  – e...

                         –  Já  sei  –  interrompeu  Brejeiro  –,  poucos  retornaram  às  terras
                  ensolaradas. Não precisa mais dizer isso. Você é um sujeito de idéia fixa,
                  não?
                         As crianças chegaram-se para mais perto de Brejeiro, uma de cada
                  lado: tinham dito lá em cima que se tratava de um pé-frio, mas ali embaixo
                  ele era o seu único conforto.

                         A lanterna pálida foi pendurada no meio da embarcação; os terrícolas
                  pegaram  os  remos  e  o  barco  começou  a  deslizar.  A  lanterna  pouco
                  adiantava: nada avistavam à frente; só água, lisa e escura, a desmaiar na
                  escuridão total.

                         – Que será de nós? – perguntou Jill, agoniada.

                         – Não se deixe abater agora, Jill – disse o pau-lama. – Há uma coisa
                  da qual você deve sempre se lembrar: estamos de novo seguindo o texto.
                  Devíamos  ir  por  baixo  da  cidade  em  ruínas,  e  cá  estamos.  Estamos
                  novamente de acordo com as instruções.

                         Serviram-lhes então comida – uma espécie de bolacha que não tinha
                  gosto de nada. Depois um a um pegaram no sono. Quando acordaram, tudo
                  continuava na mesma: os anões remando, o barco deslizando, a escuridão.
                  Quantas  vezes  acordaram  e  dormiram,  e  comeram  e  dormiram  de  novo,
                  nenhum  deles  seria  capaz  de  dizer.  E  o  pior  era  isto:  parecia  agora  que
                  tinham passado a vida inteira naquele barco, naquela escuridão, sem saber
                  se o sol, o céu azul, o vento e os pássaros não passavam de um sonho.
                         Já estavam quase desistindo de ter esperança ou medo de qualquer
                  coisa, quando viram luzes à frente: luzes sinistras como aquela da lanterna.
                  Uma luz de repente aproximou-se e perceberam que estavam cruzando um
                  outro barco. Encontraram vários outros. Depois, arregalando os olhos até
                  doer, viam que algumas luzes iluminavam o que parecia um conjunto de
                  cais, muros, torres e gente a caminhar. Ainda assim, quase nada se ouvia.

                         – Caramba! – exclamou Eustáquio. – Uma cidade!

                         Uma estranha cidade. Tão poucas as luzes e tão distanciadas umas
                  das  outras,  que  mal  dariam  para  iluminar  umas  poucas  casas  em  nosso
                  mundo.  Os  pequenos  trechos  iluminados  lembravam  lampejos  de  um
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