Page 614 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
P. 614
Mas quando terminou a refeição, os modos do cavaleiro negro
haviam mudado. A risada desaparecera.
– Meus amigos – falou ele –, minha hora está próxima. Apesar do
meu horror de ficar sozinho, tenho vergonha de que me vejam agora. Eles
vão entrar e amarrar meus pés e minhas mãos naquela cadeira. Que se há de
fazer? Pois em meu acesso (dizem), eu destruiria tudo o que estivesse ao
meu alcance.
– Entendo – falou Eustáquio – e sinto muito pela sua maldição, é
claro, mas o que esses caras farão conosco quando chegarem para amarrá-
lo? Falavam em trancar a gente na cadeia. E não apreciamos muito aquelas
escuridões. Preferimos muito mais ficar aqui até que você... se sinta
melhor... se for possível...
– Bem pensado – respondeu o cavaleiro. – O costume é ninguém
ficar comigo durante a minha hora, a não ser a rainha. Não admitiria que
outros ouvissem as palavras que pronuncio durante o acesso. O problema é
convencer os gnomos. Acho que já estão subindo a escada. Entrem por
aquela porta e se escondam. Fiquem lá até que voltem e me desamarrem;
ou, se quiserem, voltem para cá e assistam ao meu delírio.
Os três aceitaram a sugestão. A porta, felizmente, dava para um
corredor iluminado. Experimentaram várias portas e encontraram (o que
lhes fazia muita falta) água corrente e até um espelho. Disse Jill :
– Ele nem para nos oferecer uma pia antes da ceia. Egoísta sujo!
– Quero saber uma coisa – disse Eustáquio. – Vamos ficar aqui ou
vamos assistir ao encantamento?
– Acho melhor ficar aqui – disse Jill, sem dominar, no entanto, a
própria curiosidade.
– Nada disso: iremos para lá – falou Brejeiro. – Podemos obter uma
informação qualquer. Não ponho a mão no fogo por aquela rainha; só pode
ser uma bruxa, uma inimiga. Aqueles terrícolas não vão demorar a nos dar
uma paulada na cabeça. Há um cheiro forte de perigo e de mentira, de
mágica e de traição nesta terra; um cheiro que nunca senti em minha vida.
Olho vivo, orelha em pé!
Voltaram ao corredor e empurraram levemente a porta.
– Tudo bem – disse Eustáquio, querendo dizer que os terrícolas não
estavam mais por lá.
Voltaram todos assim para a sala onde tinham ceado.
A porta principal agora estava fechada, escondendo a cortina pela
qual tinham entrado. O cavaleiro negro estava sentado numa estranha
cadeira de prata, à qual se achava amarrado pelos tornozelos, joelhos,