Page 615 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
P. 615

cotovelos,  pulsos  e  cintura.  Com  a  testa  gotejada  de  suor,  mostrava  um
                  rosto angustiado.

                         – Entrem, meus amigos – disse ele, erguendo depressa os olhos. –
                  Ainda  não  chegou  o  acesso.  Não  façam  barulho,  pois  falei  para  o
                  fofoqueiro  do  camareiro  que  vocês  estavam  dormindo.  Agora...  estou
                  começando  a  sentir.  Depressa!  Escutem  enquanto  sou  dono  de  mim.
                  Durante o acesso, pode ser que eu lhes implore, que os ameace para que me
                  desamarrem. Dizem que faço isso. Posso pedir em nome do que há de mais
                  sagrado e do que há de mais horrível. Mas não me obedeçam. Fechem o
                  coração e os ouvidos. Enquanto eu estiver amarrado, estarão salvos. Mas se
                  eu me livrar desta cadeira, terei primeiro um ataque de fúria e depois – ele
                  estremeceu – serei transformado em monstruosa serpente.

                         – De nossa parte pode ficar tranqüilo – disse Brejeiro –, ninguém irá
                  soltá-lo.  Não  estamos  com  a  menor  vontade  de  enfrentar  um  homem
                  selvagem e muito menos uma serpente.

                         – Isso mesmo – disseram Eustáquio e Jill ao mesmo tempo.
                         – De qualquer jeito – acrescentou Brejeiro num cochicho –, é melhor
                  não  ficarmos  tão  confiantes.  Já  estragamos  outras  coisas.  Ele  vai  ficar
                  astuto  quando  a  coisa  começar,  podem  crer.  Podemos  confiar  uns  nos
                  outros?  Vamos  prometer  todos  que,  aconteça  o  que  acontecer,  não
                  tocaremos nessas cordas. Prestem atenção: aconteça o que acontecer, diga
                  ele o que disser!

                         – Claro! – disse Eustáquio. E Jill :

                         – Não existe neste mundo nada que ele diga que me faça mudar de
                  opinião.

                         – Silêncio. Está acontecendo alguma coisa – disse Brejeiro.

                         O cavaleiro começava a gemer. Seu rosto estava pálido como cal. O
                  corpo se contorcia nas amarras. Por compaixão dele ou por outro motivo
                  qualquer, Jill o achava agora melhor pessoa do que antes.
                         – Ah – gemeu o cavaleiro – o encantamento... as teias geladas, duras
                  e viscosas da magia negra. Arrastado pelas profundezas da terra, pela negra
                  escuridão...  há  quantos  anos?  Há  quanto  tempo  estou  na  fossa?  Há  dez
                  anos?  Há  mil  anos?  Estas  larvas  humanas  que  me  rodeiam  por  todos  os
                  lados! Oh, piedade! Quero sair, quero voltar. Quero sentir de novo o vento
                  e contemplar o céu... Havia um poço. Quando eu olhava lá dentro via as
                  árvores  de  cabeça  para  baixo,  tão  verdes,  e  mais  abaixo,  no  fundo
                  profundo, o céu azul.

                         Falava  em  voz  baixa,  mas  ergueu  a  testa  e  fixou  os  olhos  neles,
                  dizendo com voz clara:
   610   611   612   613   614   615   616   617   618   619   620