Page 613 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Ah, que perspicácia tem este rapaz! – exclamou por sua vez o
cavaleiro. – Palavra de honra, nunca tinha pensado nisso antes. Estou
entendendo o que você quer dizer. – Por um momento o cavaleiro pareceu
levemente, muito levemente, perturbado; mas seu rosto logo se desanuviou
e rompeu numa daquelas sonoras risadas: – Que coisa mais cômica e
ridícula pensar que eles continuam na vidinha deles, sem lhes passar pela
cabeça que debaixo de seus campos tranqüilos, ali pertinho, está um grande
exército pronto a irromper da terra como água de uma fonte! Nunca
suspeitaram de nada! Mas, logo que passar a dor da derrota, eles próprios
acabarão achando graça no que aconteceu.
– Pois eu não vejo a graça – disse Jill. – Para mim você será apenas
um cruel tirano.
– Hein? – fez o cavaleiro, rindo-se ainda e dando palmadinhas
nervosas na cabeça da menina. – A senhorita por acaso dedica-se à
política? Nada receie, minha graça. Governarei essa terra sob a constante
orientação da minha dama, que será aliás a minha rainha. Sua palavra será a
minha lei, assim como a minha palavra será a lei do povo por nós
conquistado.
– No lugar de onde eu venho – disse Jill, cada vez gostando menos
dele –, não é grande coisa a reputação dos homens mandados pelas
mulheres.
– Pois vai pensar diferente quando tiver o seu homem – disse o
cavaleiro, achando isso engraçadíssimo. – Com a minha dama é diferente.
Ficarei contente de obedecer a quem me salvou de milhares de perigos.
Mãe alguma no mundo fez para o filho o que ela fez para mim. Vejam só:
apesar de todas as suas obrigações e trabalhos, várias vezes percorreu
comigo o Mundo de Cima, para habituar meus olhos à luz do Sol. Vou na
minha armadura, com a viseira abaixada, a fim de que homem algum veja o
meu rosto e eu não fale com ninguém. Por arte mágica ela descobriu que
isso criaria dificuldades à conjuração do sortilégio que pesa sobre mim.
Assim, pois, não se trata de uma dama digna do culto fanático de um
homem?
– Parece mesmo uma dama fora de série – falou Brejeiro, com uma
inflexão que significava exatamente o oposto.
Já estavam cheios daquela conversa antes que o prato de sopa
esvaziasse. Brejeiro pensava: “Gostaria de saber qual a jogada que essa
feiticeira está tramando com esse jovem tolo.” Eustáquio pensava: “Que
crianção, francamente; amarrado à roda da saia daquela mulher, o bobão.”
E Jill pensava: “Esse aí é o sujeito mais bobo, mais metido a besta, mais
egoísta que vi nos últimos anos!”