Page 642 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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como se fosse de um alçapão no teto. Permanecera tanto tempo no escuro
                  que seus olhos não puderam distinguir logo o que viam, a não ser que não
                  estava diante do mundo ensolarado que esperava. O ar parecia mortalmente
                  gelado e a luz era azul e pálida. Havia ainda muito barulho e uma porção de
                  objetos brancos voando. Foi nesse momento que ela pediu para subir aos
                  ombros de Brejeiro.

                         Feito isso, pôde ver e ouvir muito mais. Havia dois tipos de ruído: a
                  batida rítmica de vários pés e a música de quatro rabecas, três flautas e um
                  tantã. Percebeu também qual era a sua posição. Olhava de um buraco para
                  um  terreno  em  declive.  Tudo  era  muito  branco,  e  muitas  pessoas  se
                  agitavam de um lado para outro. Aí começou a arquejar. As pessoas eram
                  elegantes  faunos  e  dríades  com  os  cabelos  coroados  de  folhas  a  flutuar.
                  Agitavam-se.  Não,  dançavam  –  uma  dança  de  figuras  e  passos  tão
                  complicados que era preciso algum tempo para entendê-la. Súbito ocorreu-
                  lhe que a pálida luz azulada vinha do luar, e que a matéria branca no chão
                  era neve. E, naturalmente, as estrelas luziam no céu escuro. As coisas altas
                  e escuras, além dos dançarinos, eram árvores. Não tinham chegado a um
                  lugar qualquer no Mundo de Cima, mas ao coração de Nárnia. Jill achou
                  que ia desmaiar de prazer. E a música – uma música agreste e muito suave,
                  mas também meio fantástica e impregnada de magia como o repenicado da
                  feiticeira – aumentava o deslumbramento.

                         Leva-se tempo para contar, mas curto foi o tempo de ver tudo isso.
                  Virou-se logo para transmitir aos outros a mensagem, gritando: “Parece que
                  está tudo ótimo. Estamos em casa.” Não passou do “parece”, e o motivo é o
                  seguinte:  rodeando  sem  parar  os  dançarinos,  havia  um  bando  de  anões,
                  todos  festivamente  vestidos,  quase  todos  de  escarlate,  com  capuzes
                  debruados  de  peles,  borlas  douradas  e  grandes  botas  peludas.  Enquanto
                  giravam iam atirando bolas de neve (eram as coisas brancas que Jill tinha
                  visto a voar). Não as atiravam nos dançarinos. Atiravam-nas nos espaços
                  vazios, com uma precisão perfeita. Era a chamada Grande Dança da Neve,
                  que  se  realizava  em  Nárnia  na  primeira  noite  de  neve  com  luar.  Era  ao
                  mesmo tempo uma dança e uma brincadeira, pois o dançarino que errasse
                  um pouquinho recebia uma bolada de neve na cara, e todos davam risadas.
                  Nas noites mais bonitas, com o luar, o pio das corujas, o tantan do tambor,
                  a festa costumava prolongar-se até o raiar do dia.

                         Jill calou-se depois do “parece” porque uma bola de neve acertara-
                  lhe em cheio na boca. Não deu a mínima importância; só que não podia
                  falar, por mais feliz que se sentisse. Depois de recuperar a fala, chegou a
                  esquecer-se  de  que  os  outros  ainda  não  sabiam  sobre  aquelas  grandes
                  novidades: simplesmente inclinou-se para fora do buraco e gritou para os
                  dançarinos:

                         – Socorro! Socorro! Estamos enterrados na colina!
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