Page 718 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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vendo  a  fogueira  acesa  do  lado  de  lá  do  estábulo,  percebeu  que  havia
                  chegado a hora.

                         – Precioso, dê-me um beijo – disse ele. – Esta é, com certeza, a nossa
                  última noite aqui na terra. E se alguma vez eu o ofendi de alguma maneira,
                  perdoe-me agora.

                         –  Querido  rei  –  disse  o  unicórnio  –,  quase  desejaria  que  isso  já
                  houvesse  acontecido  a  fim  de  poder  perdoá-lo agora.  Adeus.  Já  vivemos
                  muitas  alegrias  juntos.  Se  Aslam  me  desse  uma  chance de  escolher, não
                  escolheria  outra  vida  além  da  que  eu  tive,  nem  morte  diferente  da  que
                  vamos ter agora.

                         Então acordaram Sagaz, que dormia com a cabeça enfiada debaixo
                  da asa, e saíram rastejando na direção do estábulo. Deixaram Confuso logo
                  atrás deste (não sem antes lhe dirigirem algumas palavras de carinho, pois
                  ninguém estava zangado com ele agora), dizendo-lhe que não saísse dali
                  até que alguém viesse buscá-lo. Depois postaram-se de um dos lados do
                  estábulo.
                         A  fogueira,  que  ficava  a  apenas  alguns  metros  de  onde  se
                  encontravam, fora acesa há bem pouco tempo e as labaredas começavam a
                  subir.  Havia,  do  lado  de  lá,  uma  grande  multidão  de  narnianos,  mas  a
                  princípio  Tirian  não  conseguiu  enxergá-los  muito  bem,  embora  visse
                  dezenas de pares de olhos brilhando ao reflexo do fogo, tal e qual acontece
                  com os olhos dos gatos e dos coelhos quando se focaliza neles a luz de um
                  carro.  Tirian  acabara  de  encontrar  um  lugar  para  ficar,  quando  o  gongo
                  parou de bater e três figuras surgiram de algum lugar à sua esquerda. Um
                  era  Rishda  Tarcaã,  o  capitão  calormano.  O  segundo  era  o  macaco,  que
                  vinha de mãos dadas com o tarcaã e resmungava a cada instante: “Devagar!
                  Não ande tão depressa, que não estou nada bem.

                         Ai, a minha pobre cabeça! Estas reuniões à meia-noite estão ficando
                  pesadas demais para mim. Macaco não foi feito para ficar acordado à noite.
                  Não sou nenhum rato ou morcego... Ai, minha cabeça!” Do outro lado do
                  macaco, num passo muito macio e imponente e com a cauda graciosamente
                  erguida  no  ar,  vinha  o  gato  Ruivo.  Os  três  dirigiam-se  para  a  fogueira,
                  parando tão perto de Tirian que, se algum deles tivesse olhado bem na sua
                  direção,  com  certeza  o  teria  visto.  Felizmente  isto  não  aconteceu.  Mas
                  Tirian escutou Rishda dizer a Ruivo, baixinho:

                         – Agora, gato, para o teu posto. Vê se representas direitinho o teu
                  papel.

                         –  Miau!  Miau!  Conte  comigo!  –  disse  Ruivo.  Em  seguida,  passou
                  pela  fogueira  e  foi  sentar-se  na  primeira  fila  com  os  outros  bichos:  na
                  platéia, como se diria.
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