Page 90 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Eu... eu não acho que ele seja um animal selvagem – respondeu
                  Digory, com a voz ressequida. – Ele é... bem, não sei...

                         – Então ele é uma coisa ainda pior. Olhe o que já fez de você! Um
                  rapaz sem coração! E o que faz a todos os outros que o atendem. Que rapaz
                  mau! Prefere deixar a mãe morrer do que...

                         – Oh, cale a boca! – pediu o infeliz, com a mesma voz. – Acha que
                  eu não sinto? Mas é que prometi...

                         – Mas não sabia o que estava prometendo!
                         – Nem mamãe – disse ele, achando as palavras com dificuldade – iria
                  gostar... faz questão de que eu cumpra as minhas promessas... isso tu do...
                  não furtar... tudo. Se ela estivesse aqui, não deixaria...

                         – Mas ela nem precisa saber! – falou a feiticeira, com uma doçura
                  impossível  de se imaginar  em  alguém  com  aquela  face. –  Não  é  preciso
                  dizer como obteve a maçã! Seu pai também não precisa saber. Ninguém no
                  seu  mundo  precisa  saber  de  nada.  Você  nem  precisa  levar  a  menina  de
                  volta!

                         Foi o erro fatal da feiticeira. Digory sabia perfeitamente que Polly
                  poderia voltar sozinha, com seu próprio anel. Mas, pelo jeito, a feiticeira
                  não estava a par disso. A mesquinharia da sugestão – deixar Polly sozinha
                  – mostrava que as outras palavras eram falsas e vazias. E, mesmo do fundo
                  de sua infelicidade, sua mente ficou clara e ele disse, em voz firme e alta:

                         – Escute: o que é que há? Por que está agora tão preocupada com a
                  minha mãe? Que armadilha é esta?

                         –  Boa!  –  sussurrou-lhe  Polly  ao  ouvido.  –  Rápido!  Vamos  partir
                  imediatamente. – Só ficara calada todo aquele tempo porque não era a sua
                  mãe que estava morrendo.
                         – Monte – disse Digory, colocando-a na garupa de Pluma e pulando
                  também para cima do cavalo, que abriu logo as asas.

                         – Vá! Vá! – bradou a feiticeira. – Mas lembre-se de mim, criança,
                  quando for um velhinho moribundo. Lembre-se de que jogou fora o dom da
                  eterna juventude!

                         Já estavam tão alto que mal a escutavam. Também a feiticeira não
                  perdeu mais tempo: foi vista partindo na direção norte.

                         Queriam  chegar  a  Nárnia  antes  do  anoitecer.  Digory  não  disse
                  palavra durante o vôo, e os outros se sentiram meio sem jeito de falar com
                  ele. Parecia triste e não estava muito seguro de ter feito a coisa certa. Só
                  teve certeza quando se lembrou das lágrimas nos olhos de Aslam.
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