Page 100 - Os Manuscritos do Mar Morto
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analogias possam ser provadas como verídicas ou não. Os especialistas que desde cedo
se utilizaram da paleografia para a datação dos MQ chegaram a datas convergentes com
os testes de radiocarbono, datando em sua maioria entre o século II a.C. e meados do I
d.C. Essa datação é praticamente consensual entre os que trabalham com as fontes de
Qumran, o que em suma, elimina de antemão a idéia de estes serem contemporâneos ao
menos da maioria dos livros do NT.
Ainda se referindo aos aspectos lingüísticos, antes de se traçar uma analogia
entre um manuscrito de Qumran ou do AT com passagens do NT, é importante relevar
que o que está sendo usado como fonte para o NT, está escrito em sua maioria na língua
hebraica, enquanto que o NT está em grego. Não que as analogias não devam ser
propostas e estudadas alegando que certos termos e expressões tivessem sentido
peculiar à respectiva língua (o que não deixa de ser verdade), mas sim que uma analogia
pesquisada utilizando uma tradução em língua moderna tem de ser encarada com maior
rigor, pois pode não ser correspondente em sua língua original, o que de fato determina
se o termo (ou estrutura e etc.) é análogo ou não.
É verdade que a tradução, por melhor que seja, introduz mudanças que podem
afetar a estrutura semântica ou narrativa dos textos. Entretanto, na medida em que o
pesquisador procura se isentar do “culto ao objeto” (“fetichismo” pelo próprio texto), os
problemas ao usar uma tradução moderna são menores (embora não deixem de existir).
Como uma segunda etapa de trabalho, o pesquisador pode comparar os resultados da
análise depreendida do texto em sua língua original (cf. CHABROL, 1980:7). Havendo
potencial do pesquisador para isso, tal fato enriqueceria grandemente a pesquisa, além
de dotá-la de mais crédito.
Felizmente, algumas comparações feitas com o rigor necessário trouxeram
importantes revelações, mostrando que alguns termos gregos possuíam correspondentes
semíticos anteriores que serviram de base quando da composição dos escritos cristãos.
Um dos casos mais famosos entre estes pode representar muito bem o que é isso. O já
citado termo “filhos da luz” é encontrado diversas vezes nos MQ demonstrando o ponto
de vista escatológico da comunidade. Essa expressão tem a sua base oriunda dos
escritos do AT, que se utiliza da designação “filhos de...” para representar grupos
étnicos ou classes sociais. A expressão “filhos da luz”, por sua vez, não é encontrada em
parte alguma no cânon hebraico, mas está presente tanto em Qumran como no NT. Este
vocábulo não era conhecido na língua hebraica até a descoberta dos MQ, mas no NT ele
era usado para designar os cristãos como grupo. Nele, os termos correspondentes em

