Page 95 - Os Manuscritos do Mar Morto
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As respostas encontradas nas fontes analisadas variam de acordo com os
interpretes, o que é algo puramente normal. O problema existe quando estas respostas
(paralelos) se tornam “superinterpretativas”. A fonte utilizada nem sempre quer “dizer”
o que o intérprete “ouve”, mas para provar o que quer ele acaba distorcendo o que a
fonte expressa, procurando dentro dela somente indícios obscuros que podem
corroborar com o que pensa. Comentando sobre as relações entre os escritos paulinos e
qumrânicos, Martínez explicita que “é preciso evitar recortar dados de uns e outros
textos sem nenhum método crítico, fazendo uma embrulhada de textos que nunca
tiveram relação alguma entre si” (1996:268). Este cuidado certamente deve ser
colocado em primeiro plano ao propor qualquer analogia encontrada entre os MQ e o
NT.
Os paralelos podem existir em diversas formas: lingüísticos, estruturais,
temáticos, ideais e afins. Para ilustrar melhor como estes são utilizados, cito alguns
exemplos. Um paralelo terminológico foi encontrado em um fragmento conhecido como
4Q246 (também conhecido por 4QApocalipse Aramaico), que traz a expressão
messiânica “filho de Deus”, termo esse também encontrado no NT (Lc 1:35; Jo 19:7;
At 8:37; Gl 2:20). O texto é o que se segue:
1- Será denominado filho de Deus, e lhe chamarão filho do Altíssimo. (...)
4- Até que se levante o povo de Deus e tudo descanse da espada. 5- Seu
reino será um reino eterno, e todos os seus caminhos em verdade e direito.
6- A terra estará na verdade, e todos construirão a paz.
Ora, a expressão “filho de Deus” já era conhecida no AT em diversos sentidos
(e.g. Gn 6:2; Jó 2:1; Sl 82:6). No entanto, o contexto deste fragmento demonstra uma
direção incomum se comparado a todos os outros versículos da Bíblia Hebraica que
possuem esta expressão. No fragmento, é destacado o aspecto messiânico de modo
muito mais próximo à forma utilizada no NT quando se refere a Jesus do que a qualquer
outra expressão similar precedente encontrada no AT (cf. FITZMYER, 1997:125-127).
O caso do fragmento 4Q246 é um bom exemplo que mostra que para se ter um
paralelo, não bastam apenas coincidências. A expressão “filhos de...” já era utilizada no
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AT de vários modos, porém, em nenhum o termo possui caráter messiânico como em
4Q246. Pode-se concluir, portanto, que este fragmento possui uma orientação
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Cf. p. 38.