Page 96 - Os Manuscritos do Mar Morto
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messiânica. Se foi feito um empréstimo direto ao cristianismo é difícil saber. Porém, tão
importante quanto saber se ouve o empréstimo, é saber que o uso dessa terminologia
com esta direção não restringiu-se apenas ao cristianismo, mas era algo anterior (ou
contemporâneo) ao cristianismo e já conhecido na Palestina do século I.
Como neste exemplo demonstrado acima, ao analisar a fonte que supostamente
pode ter servido de base para algum escrito do NT, faz-se necessário estar atento a
outros aspectos além dos que se considera como base para a analogia, pois apenas um
ponto semelhante pode não ser o suficiente para se afirmar que houve empréstimos.
Fitzmyer aponta um caso muito interessante de leitura tendenciosa, de conteúdo
desvirtuado. O já citado historiador Robert Eisenman teve acesso a um pequeno
fragmento de Qumran que, segundo ele, apresenta o líder da comunidade do mar Morto
como modelo de Jesus. Sendo assim, este líder comunitário deixaria de ser apenas o
“interpretante” das Escrituras e uma figura sacerdotal entre seus adeptos, assumindo um
papel ainda maior, o de Messias salvador. Além disso, provaria – como Eisenman
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intenta dizer – que o modelo de Jesus não possuía “originalidade”. Fitzmyer também
fez a tradução deste fragmento e percebeu que não existe uma citação explícita a algum
Messias. Ainda mais, o texto não “extravasa” as expectativas messiânicas conhecidas
pelo judaísmo da época. Pior que isso, como demonstrou Fitzmyer, é fazer uma leitura
parcial (facciosa) de alguns termos do manuscrito, direcionando-o à um outro sentido.
Como disse:
Eisenman lê o texto como leu por causa de sua tese geral de que os textos
de Qumran se referem aos inícios do cristianismo. (...) Não conheço
nenhum outro intérprete dos MQ que concorde com ele. Eisenman passa
por cima da datação paleográfica dos manuscritos e dos fragmentos, das
provas arqueológicas que apóiam essa datação, e da datação radiocarbônica
(1997:174).
A intenção de provar o que se quer dizer ao invés do que o texto diz acaba dando
“vozes” inexistentes a ele. Por vezes, não chegam a atingir nem a verossimilhança. Um
caso como este “mostra como a leitura e interpretação de um texto de Qumran podem
ser manipuladas por alguém que prejulgou o assunto com base numa tese de sua
preferência” (FITZMYER, 1997:175).
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O texto possui linhas incompletas, deterioradas graças ao tempo. Estas lacunas são as responsáveis para
que infelizmente não haja uma leitura retilínea do fragmento. As sentenças utilizadas por Eisenman, como
“um ramo sairá da cepa de Jessé, o rebento de Davi”, “e o príncipe da congregação o entregou (ou
entregará à morte)”, “e com pregos”; são insuficientes para provar que essa figura “messiânica” era
alguém do tempo presente e não do porvir.