Page 21 - Os Manuscritos do Mar Morto
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Neste trabalho, tenho por base que a comunidade de Qumran era formada por
judeus essênios. Para tanto, dou ênfase ao testemunho dos escritores clássicos, somando
a isso os indícios internos encontrados nos próprios MQ.
Um material documentário que traz uma importante contribuição para a
compreensão da comunidade judaica essênia assentada em Qumran é proporcionado
pelos historiadores Fílon de Alexandria (c. 20 a.C.-50 d.C), Plínio, o Velho (23-79 d.C)
e pelo já citado historiador judeu Flávio Josefo.
Fílon de Alexandria era filósofo judeu-helenista e rabino. Escreveu – em grego –
a respeito dos essênios, porém; não sobre os que habitaram o assentamento às margens
do mar Morto, mas sim sobre os que residiam no Egito. Os essênios (do grego essaioi
ou essênoi) do Egito são comentados nas obras Quod Omnis Probus Liber Sit (Que todo
homem bom é livre) e Hypothetica (Apologia dos Judeus). Já em outra obra, De vita
contemplativa (Vida contemplativa), o autor fala sobre um outro grupo egípcio
provavelmente essênio. Esse grupo, chamado de “terapeutas” (do grego therapeutai), é
descrito de uma forma bastante parecida com os essênios a que Fílon se refere nas
outras obras. O termo therapeutai possui uma afinidade fonética muito grande com a
palavra hebraica teroupha, que significa cura. Por sua vez, a palavra essênio (do
hebraico hassidim e/ou do aramaico hassayya,) até hoje não possui consenso a respeito
de seu real significado, mas muito provavelmente significa “os pios” ou “os que
curam”, mantendo a analogia com o termo grego terapeutas.
Essa proximidade entre as palavras é uma das razões pela qual certos eruditos
associam os terapeutas aos essênios. Isso é plausível de se pensar levando-se em
consideração que as comunidades, devido a seu isolamento, acabavam por desenvolver
elementos próprios se comparadas à inteira concretude do movimento; ou seja, por
alguma peculiaridade, Fílon poderia ter denominado esse grupo de essênios do Egito
por outro nome.
Tanto na descrição dos essênios quanto dos terapeutas feita por Fílon, vem à
tona a idéia de que estes homens pudessem – como o próprio sentido dos termos induz a
pensar – cuidar do corpo com a intenção de buscar a cura de alguma enfermidade. No
entanto, ao longo da narrativa de Fílon, percebe-se que não é esse o tipo de terapia à
qual esses indivíduos se dedicavam (apesar de aparentarem conhecer muito bem o corpo
humano). A preocupação deles aparentemente não era com o corpo físico, mas sim com
uma espécie de “cura espiritual” daquele que abraçava a corrente religiosa. O desejo
humano era considerado como algo que levava o indivíduo à corrupção. Segundo Fílon,