Page 22 - Os Manuscritos do Mar Morto
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                  o objetivo deles era fazer com que os “desejos da carne” fossem repelidos para que o

                  “paciente”  pudesse  alcançar  uma  vida  contemplativa,  com  virtudes  que  trariam
                  refrigério e felicidade ao indivíduo. Fílon os descreve como tendo uma função superior

                  à dos médicos que cuidam da carne, pois estes se restringem ao corpo, enquanto a cura
                  da  psiqué  (alma) visa  algo  maior:  a  cura  de  moléstias  como  o  medo,  o  prazer

                  desenfreado,  o  desejo  exacerbado,  a  tristeza,  e  uma  série  de  outros  comportamentos
                  considerados pelos essênios como “enfermidades do espírito”.

                         No  campo  religioso,  os  essênios  divergem  em  alguns  aspectos  centrais  da

                  corrente  saducéia  e  farisaica.  Como  mostrou  Vanderkam  acima  em  sua  comparação
                  entre essenismo e saduceísmo, a crença em anjos, no destino e na imortalidade da alma,

                  embora  não  fossem  exclusivas  do  essenismo,  eram  contrárias  à  da  classe  sacerdotal
                  saducéia – o que é extremamente relevante levando-se em consideração que ambas eram

                  correntes  sacerdotais.  O  caso  da  crença  em  anjos,  por  exemplo,  existia  também  no
                  judaísmo farisaico (cf. At 23:7-8). Fílon também destaca outras de suas práticas que são

                  aplicadas com austeridade como a comunhão de bens, o celibato e a vida comunal.

                         Fílon insta que os essênios estão em vários lugares (o que confirma a idéia de
                  não existir essênios apenas no assentamento de Qumran, mas que eles na verdade se

                  encontravam esparsos por um grande território), porém, não traça contrastes entre estes

                  que residiam no Egito com os de outras regiões, mas limita-se em apresentar o sistema
                  de vida social e religioso dos residentes no Egito.

                         Dos três autores do século I que falam a respeito dos essênios, Fílon é o único

                  que faz uma narrativa de um ponto de vista filosófico. Destaca a necessidade de uma
                  vida  contemplativa  frente  ao  ambiente  vivido,  o  grau  de  desenvolvimento  da  alma

                  trazido pela evolução espiritual e o desapego completo pelos bens materiais.

                         Apesar  de  Fílon  ser  um  filósofo  de  uma  proeminente  família  judaica  de

                  Alexandria,  chefe  de  um  centro  cultural  helenístico  e  grandemente  influenciado  pela

                  filosofia de Platão; suas descrições sobre os essênios não foge ao comentário dos outros
                  escritores clássicos. Apenas o enfoque que Fílon faz é diferente dos outros. Enquanto

                  Plínio e Josefo abordam o assunto de forma mais descritiva, Fílon apresenta o modo de
                  vida  essênio  como  um  modelo  filosófico,  tentando  conciliar  fontes  judaicas  e  o

                  conteúdo bíblico com a tradição filosófica ocidental.

                         Seus escritos sobre os essênios, em essência, estão de acordo com as descrições

                  de Josefo e com as interpretações contemporâneas a esse respeito, principalmente no
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