Page 88 - Os Manuscritos do Mar Morto
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“transformaram em Magnificat e Benedictus” pelos seguidores de João Batista,
considerado um dissidente essênio que tinha acesso ao rol dos livros qumrânicos e que
difundiu algumas de suas ideologias (políticas e libertárias) a “todo o Israel” sob uma
outra ótica que defendia uma salvação mais abrangente e não somente para um grupo
fechado, no caso, os essênios. Essa é a opinião de Flusser, que pode assim ser resumida:
A afinidade entre os dois hinos e a oração de ação de graças do Pergaminho
da Guerra essênio forçou-nos a sugerir que o Magnificat e o Benedictus
foram compostos por discípulos de João. Como João Batista pertencia num
sentido mais amplo ao movimento essênio, a conexão entre os dois hinos
compostos pelos discípulos de João e uma oração essênia não é nem um
pouco surpreendente (2000:162, grifo meu).
Ainda assim, apesar das opiniões convincentes sobre a origem do hino, pode-se
concluir que ao menos a segunda parte do Benedictus possui traços lucanos. A
contribuição de Flusser deveras, é imprescindível para elucidar como eram possíveis e
fartos os casos de adaptação, apropriação e trocas entre grupos do início de nossa era.
Os outros hinos da Natividade registrados por Lucas não nos trazem maiores
novidades. Muito do que foi dito sobre os dois hinos acima no que tange aos métodos
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investigativos, serve também para o Gloria in Excelcis (2:14) e o Nunc Dimittis 64
(2:29-32). O Gloria in Excelsis apresenta-se como uma aclamação doxológica enquanto
o Nunc Dimittis parece retratar as esperanças messiânicas do período. Quanto às origens
dos hinos, no estágio atual em que se encontram as pesquisas, é impossível afirmar algo
mais do que sua origem judaica em sentido geral.
3.2 OUTROS HINOS DO NOVO TESTAMENTO
Não é possível pensar os hinos do NT analisando-os em uma visão de conjunto.
Na verdade, os próprios livros que os abrigam não possuem conjunto. São oriundos de
autores diversos sem relações ente si, outros são incógnitos ou incertos; somando-se a
isso a dificuldade de determinar os gêneros literários envolvidos. Um caso à parte
poderia ser o dos sinóticos, onde, de forma geral, há “concordância” entre os textos. No
entanto, deve-se levar em consideração que um serviu como fonte para a redação dos
outros, algo que ainda assim não descredencia o comentário supracitado.
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Expressão latina equivalente a “Glória a Deus nas Alturas”, existente no início do hino.
64 Sentença, também latina, que significa “despedes em paz o teu servo”, encontrado no prólogo do hino.
Este hino possui o nome mais popular de “cântico de Simeão”.