Page 68 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
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Acrescentou ainda que o supunha pirata ou desterrado, correndo os mares
na rapina de navios, ou fugido da sua terra natal!... Se assim fosse, dar-lhe-
ia abrigo. Exigia no entanto que lhe confessasse a verdade... Se não — nada
feito...
Vasco da Gama, já suspeitoso das insídias que tinham inventado a seu
respeito e a respeito dos seus companheiros, mas desprezando tais
invenções, não se zangou sequer.
Olhou sem medo o Samorim e provou-lhe, em palavras eloquentes, como
ele se deixava afinal levar pelas perfídias dos Mouros... Nem pirata, nem
desterrado podia ser — pois que, se o fosse, para que viria tão distante da
sua Pátria buscar hospitalidade, se em terras mais próximas a poderia ter
encontrado?
Para quê experimentar calores insuportáveis dos trópicos, frios terríveis
soprando do Polo Sul, perigos incessantes do Mar furioso, se uma alta
razão, um ideal grande o não movessem e guiassem?
Presentes não os trazia, porque os barcos eram poucos e pequenos, e não
os devia carregar demais para tão longa travessia.
E nem para trazer presentes fizera a sua viagem, mas apenas para alcançar
aquele clima longínquo, onde estavam as praias tão faladas e tão
desconhecidas da índia... Se a fortuna permitisse a sua volta à Pátria, então
o Samorim receberia uma dádiva soberba, que ele mesmo lhe ofereceria...
Quanto à audácia e coragem que tão difícil empresa significava — dizia o
Gama sem se exaltar — não a estranhasse o Samorim.
É velha tendência dos Portugueses essa de querer desvendar os mares
ignotos, propondo-se os seus Reis e o seu povo vencer para isso todos os
trabalhos e canseiras, impelidos pela nobre curiosidade de saber onde
ficam os derradeiros horizontes do Mundo... Já assim o tentara o Infante D.