Page 72 - Os Lusiadas Contados as criancas e lembrado ao povo
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Mas, se era mouro, não era embusteiro, nem lhe consentia o seu leal
coração que gente inofensiva e generosa fosse atacada injustamente.
Resolveu então o Gama abandonar de vez aquelas paragens perigosas e
tomar o rumo da sua Pátria.
Não o fez, todavia, sem primeiro chamar os seus dois feitores, que estavam
na cidade de guarda às mercadorias. Mandou-lhes dizer que viessem
depressa, pois os esperava ansiosamente...
Mas os feitores não apareceram. E soube-se que estavam ambos presos à
ordem do vil Catual!
Não hesitou o Gama, para defender os seus, em fazer um ato de violência
— o que até esse momento não quisera sequer experimentar — prendeu
como reféns uns mercadores de Calecute que tinham vindo vender pedras
preciosas a bordo.
Assim que os prendeu, mandou preparar tudo para a largada.
Os marinheiros desatam as velas, esticam amarras, entregam-se todos à
faina de pôr os barcos em movimento.
Vendo isto, assusta-se a gente da cidade, que sabendo os seus mercadores
a bordo das naus, não os queria deixar partir.
As mulheres dos índios que iam presos começam a lamentar-se.
Grande grita ia a bordo! Ordens e incitamentos aos tripulantes, para que
não demorassem a saída da frota, ou- viam-se a cada instante...
Maior grita vinha da praia — dos índios e índias aflitas com o receio de
nunca verem mais os seus patrícios embarcados.
O Samorim compreendeu então que Vasco da Gama estava zangado e já
não tinha paciência para suportar delongas e traições.
Mandou soltar imediatamente os feitores lusitanos, que depressa foram
para bordo.