Page 275 - As Viagens de Gulliver
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CAPÍTULO III
O autor entrega-se ao estudo de aprender bem a, língua e o huyhnhnm, seu amo,
aplica-se em ensinar-lha — Muitos huyhnhnms vêm, por curiosidade, visitar o
autor — Faz a seu amo um sucinto relato das suas viagens.
E ntreguei-me extremamente ao estudo da língua que o huyhnhnm meu amo, (é
assim que o tratarei de hoje em diante), seus filhos e criados tinham muita
vontade de ensinar-me. Olharam-me como um prodígio e estavam
surpreendidos de que um animal irracional tivesse todas as maneiras e todos os
sinais naturais de um animal racional. Apontava cada coisa com o dedo e
perguntava o nome, que retinha de memória e que não deixava de inscrever no
meu pequeno registro de viagem, quando estava só. Com respeito à acentuação,
tentei apanhá-la, apurando atentamente o ouvido. O alazão, porém, foi um
grande auxiliar.
Preciso é confessar que a pronúncia desta língua me pareceu muito
difícil. Os huyhnhnms falam, ao mesmo tempo, com a garganta e o nariz; e a sua
língua, tanto nasal como gutural, se aproxima muito da dos alemães, mas é
muitíssimo mais graciosa e expressiva. O imperador Carlos V fizera esta curiosa
observação; assim, dizia ele, se tivesse de falar com o seu cavalo, falar-lhe-ia em
alemão.
O meu amo sentia-se tão impaciente por me ouvir falar na sua língua
para poder conversar comigo e satisfazer a sua curiosidade, que empregava
todas as suas horas de descanso em dar-me lições e em ensinar-me todos os
termos, todos os rodeios e finuras dessa língua. Estava convencido, como mais
tarde me declarou, de que eu era um Yahu; mas o meu asseio, a minha