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17. Transformação – subversão – por Graciele Aparecida da Silva
Ontem, hoje e sempre, a mulher brasileira tem sido colocada em uma posição
social de menosprezo, nos mais diversos âmbitos. Com a dona Nelsi Lurdes dos Santos,
guerreira, nata, trabalhadora doméstica desde que aprendeu a calçar os próprios
chinelos, infelizmente não foi diferente. Esta senhora é a minha mãe.
Comecei a batalhar pela vida desde o momento em que Nelsi valentemente me
gerava em seu ventre inocente de 16 anos de idade. Nasci sob os sapateados de São
Pedro, acho até que o santo ficou emocionado, pois chorou o dia todo, se era de alegria,
já não sei. Aquela aguaria encharcou as tortuosas estradas que ligavam a comunidade
Viderense à cidade de Bituruna. Nenhum automóvel comum conseguira passar. Nasci ali
mesmo, no dia 23 de dezembro de 1985, naquela simples e aconchegante caminha de
madeira cedida pela tia Maria. Dona Marcelina fez o parto. Meu pai apareceu dois dias
depois para me conhecer, quem sabe porque era Natal. Certa vez a parteira me contou
que vim a este mundo berrando incontrolavelmente, talvez seja por isso que sempre me
faço ser ouvida. Sou boa dos pulmões.
Quando fui capaz de perceber a miséria que abraçava a história de minha família,
na qual as mulheres que vieram antes de mim foram todas humilhadas, espancadas, ou
até mesmo estupradas pelos próprios pais e maridos, entendi que só poderia haver uma
saída, e que ela estava há alguns quilômetros de distância da Videirense. A escola.
Disseram que o meu lugar não era naqueles bancos do Colégio Estadual Santa
Bárbara, só que eu não ouvi. Continuei estudando. Nunca tive livros comprados pelos
meus pais, no entanto, era assídua frequentadora da Biblioteca da escola. Ali conheci um
mundo que eu nem sabia que existia, o qual me fora apresentado pela digníssima
professora Roseli Antonelli Lanzarini. Aprendi até que endossar e adoçar eram coisas
distintas, não é engraçado?
As histórias em quadrinhos e os cordéis me fizeram tomar gosto pela leitura e pela
produção escrita, pois aquela linguagem simples, de fácil entendimento, fazia com que
me sentisse capaz de escrever.
Aos oito anos de idade uma infecção acometeu meus ouvidos, então perdi boa
parte da audição esquerda. Assim ficou até a idade adulta.
Machismo? Vi, presenciei e sofri, afinal, sou mulher, eu “aguento”. Cansei de “ser
forte”, decidi subverter. Foi preciso!
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PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES