Page 147 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
P. 147
quarto com meu irmão, mas isso não era um problema. Quando mudamos para o sítio o
transporte passou a ser do município e não mais particular. Muitas pessoas moravam na
zona rural, o transporte era um ônibus, que ia lotado e demorava bastante para chegar
na escola, pois eram muitos caminhos a se fazer. Lembro-me que no começo o medo
do transporte novo tomou conta de minha e de minha família, e eu meu irmão não
estudávamos na mesma escola, e quem ia cuidar de mim até eu chegar na minha escola
sendo que ele ia descer antes de mim? Meus pais foram conversar com o motorista da
prefeitura para se tranquilizar, eu tinha medo mais fui como se não tivesse.
Temos várias histórias dessa fase. Nos dias de chuva o ônibus não ia, quando isso
acontecia eu implorava para meu pai levar a gente de camionete, pois eu não podia
perder aula, meu irmão brigava comigo porque já tínhamos a falta justificada na escola,
pois alunos da zona rural não iam à escola em dia de chuva por falta de transporte, mas
como eu pedia muito para meu pai me levar, e ele tinha que ir também para a escola.
Quando a chuva era leve, o ônibus passava, mas o barro no tênis era terrível, por isso
minha mãe colocava sacolinhas em nossos pés e tirávamos somente para entrar no
ônibus. O trecho de nossa casa até o ponto de ônibus tinha uns 20 metros mais ou
menos.
Não via essas coisas como dificuldade, e de fato não era, apenas achava divertido
e diferente, não sentia vergonha de nada disso, tínhamos uma casa bonita, terras
próprias. Me lembro que acordávamos muito cedo, mas também dormíamos cedo. Eu
era acordada com minha mãe colocando meias em nossos pés. O leite com chocolate já
estava na xícara quando chegava na mesa do café, o uniforme sempre limpo, a mochila
sempre nova (no máximo acho que usava a mesma por dois anos), os cadernos
impecáveis.
Os anos iniciais do ensino fundamental foram concluídos, com algumas
frustrações em sala de aula, porém com quase sempre com notas máximas (10,0). Eu
era a melhor aluna da sala, ou estava empatada entre as melhores. As frustrações na
verdade são apenas frustrações nos dias de hoje, pois na época eu achava normal. Os
estudos eram sempre decorados, história, geografia e ciência eram questões que eu
decorava para o dia da prova e esquecia tudo no dia seguinte. A tabuada tinha que
decorar, mas isso foi uma coisa que eu nunca decorei, eu simplesmente passei a
entender que 2 x 4 era o mesmo que duas vezes o número quatro, por isso era 4 mais 4,
e eu fazia a conta de adição na cabeça para responder na prova oral de tabuada. A
145
PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES