Page 108 - LOSURDO COMPLETO versão digital_Spread
P. 108
LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA
da dialética da sociedade capitalista, assim como Marx a descreveu: “no
socialismo real”, à anarquia da fábrica correspondeu o terror sobre a so-
ciedade civil, um terror que, ao dissolver-se das razões do Estado de ex-
ceção, tornava-se cada vez mais intolerável, e cada vez menos credível
uma filosofia da história prometendo que, com a chegada do comunis-
mo, dissolver-se-iam o Estado, as identidades nacionais, o mercado etc.
Para concluir, além das graves responsabilidades subjetivas dos
dirigentes comunistas, os três pontos e momentos de crise do “socia-
lismo real” por nós examinados remetem a três graves debilidades teó-
ricas de Marx e Engels – entre as quais subsiste uma estreita relação.
Em todos os casos, a utopia acrítica de uma sociedade sem conflitos
produziu um suplemento de violência estatal e opressão nacional. Con-
sideremos este último ponto. A espera de uma imediata superação das
fronteiras e das próprias identidades nacionais, logo após o colapso do
capitalismo, transformou-se em uma ideologia chauvinista.
Pensamos em particular na teorização, presente em Brejnev, de
soberania limitada para os países que compõem uma comunidade so-
cialista internacional, já fundidos seus singulares componentes em uma
única identidade. Observamos os momentos mais graves de crise e de
descréditos do “socialismo real”: 1948 (ruptura da URSS com a Iugos-
lávia); 1956 (invasão da Hungria); 1968 (invasão da Tchecoslováquia);
1981 (lei marcial na Polônia a fim de prevenir uma potencial interven-
ção “fraternal” da URSS e conter um movimento de oposição que en-
contra amplo consenso, chamando inclusive à identidade nacional re-
primida pelo Grande Irmão). Essas crises têm como elemento comum a
centralidade da questão nacional.
A dissolução do campo socialista iniciou-se na periferia do impé-
rio, nos países há muito tempo impacientes com a soberania limitada
que lhes havia sido imposta; inclusive dentro da própria URSS, bem an-
tes do obscuro “golpe” de 1991, o impulso decisivo para o colapso final
veio com a sublevação dos países bálticos, aos quais o socialismo havia
sido “exportado” em 1939-1940: em certo sentido, a questão nacional,
108