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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           da dialética da sociedade capitalista, assim como Marx a descreveu: “no
           socialismo real”, à anarquia da fábrica correspondeu o terror sobre a so-
           ciedade civil, um terror que, ao dissolver-se das razões do Estado de ex-
           ceção, tornava-se cada vez mais intolerável, e cada vez menos credível
           uma filosofia da história prometendo que, com a chegada do comunis-
           mo, dissolver-se-iam o Estado, as identidades nacionais, o mercado etc.
                Para concluir, além das graves responsabilidades subjetivas dos
           dirigentes comunistas, os três pontos e momentos de crise do “socia-
           lismo real” por nós examinados remetem a três graves debilidades teó-
           ricas de Marx e Engels – entre as quais subsiste uma estreita relação.
           Em todos os casos, a utopia acrítica de uma sociedade sem conflitos
           produziu um suplemento de violência estatal e opressão nacional. Con-
           sideremos este último ponto. A espera de uma imediata superação das
           fronteiras e das próprias identidades nacionais, logo após o colapso do
           capitalismo, transformou-se em uma ideologia chauvinista.
                Pensamos em particular na teorização, presente em Brejnev, de
           soberania limitada para os países que compõem uma comunidade so-
           cialista internacional, já fundidos seus singulares componentes em uma
           única identidade. Observamos os momentos mais graves de crise e de
           descréditos do “socialismo real”: 1948 (ruptura da URSS com a Iugos-
           lávia); 1956 (invasão da Hungria); 1968 (invasão da Tchecoslováquia);
           1981 (lei marcial na Polônia a fim de prevenir uma potencial interven-
           ção “fraternal” da URSS e conter um movimento de oposição que en-
           contra amplo consenso, chamando inclusive à identidade nacional re-
           primida pelo Grande Irmão). Essas crises têm como elemento comum a
           centralidade da questão nacional.
                A dissolução do campo socialista iniciou-se na periferia do impé-
           rio, nos países há muito tempo impacientes com a soberania limitada
           que lhes havia sido imposta; inclusive dentro da própria URSS, bem an-
           tes do obscuro “golpe” de 1991, o impulso decisivo para o colapso final
           veio com a sublevação dos países bálticos, aos quais o socialismo havia
           sido “exportado” em 1939-1940: em certo sentido, a questão nacional,



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