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MARX, CRISTÓVÃO COLOMBO E A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO | DOMENICO LOSURDO


               socialistas revolucionários proclamaram: “a ideia de Constituição é uma
               ideia burguesa”: assim, tornou-se impossível a passagem do Estado de
               exceção para uma normalidade constitucional, já previamente tachada
               de “burguesa”; e o mesmo Estado de exceção não pôde ser mais de al-
               gum modo regulamentado.
                     Um resultado paradoxalmente previsto, inclusive por Marx e En-
               gels, que, ainda insistindo na extinção do Estado, ou na extinção “no
               atual sentido político” (as duas fórmulas não se equivalem e a oscilação
               é indício de uma ulterior perplexidade), pelo menos em uma circuns-
               tância  observam  que,  forçado  ao  extremo,  o  antiautoritarismo  –  tor-
               nando impossível todo tipo de decisão fundada no consenso e controle
               democrático e segundo regras gerais – acaba por favorecer o exercício
               de um poder arbitrário por parte de uma pequena minoria: o chama-
               do “antiautoritarismo” inverte-se, assim, em “comunismo de caserna”
               (MEW, XVIII, 425).
                     A espera messiânica pela extinção do Estado desenvolveu um pa-
               pel nefasto também em outro plano. Não se pode pensar uma socie-
               dade socialista sem a presença de um setor mais ou menos amplo de
               serviços e de economia estatal (seja pública, socializada, ou controlada
               pelo Estado), cujo funcionamento se torna, portanto, determinante. A
               solução para tal problema pode ser transferida à mitologia anarquista da
               chegada “do homem novo” que, espontaneamente, se identifica com a
               coletividade, sem a emergência de contradições e conflitos entre privado
               e público, ou entre indivíduos, ou ainda entre grupos sociais (trata-se
               claramente da secularização do motivo religioso, da “graça” que torna a
               lei supérflua); ou podemos buscar outra solução no sistema de regras, de
               incentivos (materiais e morais) e de controle que garantam a transpa-
               rência, a eficiência e a produtividade do setor e também a competência
               profissional e a probidade dos responsáveis. Mas a fenomenologia do
               poder (anarquista), ao individuar, exclusivamente no Estado, no poder
               central, na norma em geral, o lugar do domínio e do aniquilamento,
               torna isto difícil, se não impossível. Produziu-se, assim, uma inversão



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