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MARX, CRISTÓVÃO COLOMBO E A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO | DOMENICO LOSURDO
(IDEM, IBIDEM, 136). Conhecemos bem as páginas em que Marx es-
clarece o quadro histórico concreto (Vendeia, intervenção de exércitos
contrarrevolucionários etc.) do Terror jacobino; é desnecessário também
lembrar o desprezo – na trilha de Hegel – nutrido e expresso pelo grande
pensador revolucionário pela bela alma. Estamos então em presença de
uma postura “justificacionista”? O justificacionismo é a dedução me-
cânica e sem resíduos de um comportamento político, a partir de um
determinado contexto histórico (contradições objetivas e brutalidade do
adversário), é a negação do momento da escolha entre possíveis alter-
nativas e, portanto, da responsabilidade subjetiva. Após ter esclarecido
o quadro histórico real, Marx realça que o Terror também se origina do
descompasso entre o projeto político jacobino e a situação histórica. Se-
guindo a utopia fantástica da reconstituição da polis antiga, Robespierre
e outros lançam-se em uma empresa quixotesca que, acreditavam, pu-
desse eliminar pela violência tudo o que não respondesse a seu modelo
ou utopia e que, porém, acaba inevitavelmente reemergindo através de
relações econômicas e sociais modernas, bem diferentes das da polis an-
tiga, em que sua apaixonada inspiração estava fundamentada.
Em tal sentido, há, no Terror, um excedente de violência com re-
lação à situação objetiva, e clara e nítida resulta a postura de crítica
e de condenação expressa por Marx que, repetidas vezes, evidencia as
debilidades, as ilusões, as miragens da ideologia jacobina – que, por
sua vez, não é apenas produto de uma loucura individual, mas faz re-
ferência a um contexto histórico mais amplo. Por ter presente o quadro
objetivo, Marx consegue individualizar a debilidade do projeto jacobino
com precisão e radicalidade desconhecidas à explicação moralista, que
se contenta em denunciar Robespierre ou Saint-Just tratando-os como
feras sedentas de sangue.
Sem perder de vista a óbvia diversidade da situação histórica, essa
mesma abordagem torna-se fecunda também na análise da dialética de-
senvolvida a partir da Revolução de Outubro. Não se trata, portanto, de
eludir o momento da escolha, de situar tal abordagem em um espaço
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