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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


                Ao descrédito da imagem do socialismo contribuiu a tragédia do
           Camboja, que saía de uma grandiosa luta de libertação nacional. Radi-
           calizando ulteriormente tendências já afloradas no curso da Revolução
           cultural chinesa, Pol Pot pretendeu construir uma sociedade comunis-
           ta sem mercado e sem moeda: uma tentativa que originou um terrível
           massacre. Ainda assim, seria um erro pôr em causa exclusivamente os
           dirigentes dos khmer vermelhos. Há uma grande tradição atrás deles.
           Pensamos  no  assim  chamado  “comunismo  de  guerra”  que  segue  de
           imediato a Revolução de Outubro. Em escrito de outubro de 1921, Lênin
           faz uma parcial autocrítica. Reconhece o fato de naqueles eventos não
           terem agido exclusivamente os “impostergáveis problemas de caráter
           militar”, mas também “o erro de querer passar diretamente à produção
           e à distribuição sob bases comunistas. Resolvemos que os camponeses
           forneceriam o pão necessário ao sistema de prevalecimentos, e nós, por
           nossa vez, o distribuiríamos aos estabelecimentos e às fábricas, obtendo
           assim uma produção e uma distribuição de caráter comunista”.
                Em 1952 Stálin publicou Problemas econômicos do socialismo, pole-
           mizando contra “alguns camaradas” que “afirmaram que o partido agiu
           erroneamente ao manter a produção mercantil após a tomada do poder
           e a nacionalização dos meios de produção de nosso país. Eles pensam
           que o partido deveria eliminar a produção mercantil”. Os apaixonados
           pela ortodoxia “marxista” de um comunismo miticamente transfigura-
           do exigiram isto.
                Finalmente, a patente contradição entre uma filosofia da histó-
           ria – que proclama como seu fim a extinção do Estado e de toda forma
           de poder político – e a realidade de um Partido-Estado – que exerce o
           poder de modo terrorista – agiu como importante fator de estímulo no
           colapso da Europa oriental. Existe, entre esses aspectos, uma relação de
           contradição, mas também de secreta cumplicidade. Qual o sentido de
           empenhar-se onerosamente no processo de construção de um Estado
           socialista de direito se o Estado enquanto tal está destinado à dissolu-
           ção? Não por acaso, logo depois da Revolução de Outubro, expoentes



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