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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           despojado de resistências, conflitos e contradições, mas de colocá-la em
           um contexto histórico concreto, dramaticamente concreto. E, ao nos de-
           pararmos com escolhas erradas ou trágicas, que liquidaram alternativas
           reais, torna-se necessário nos questionarmos sobre a ideologia que ins-
           pirou e condicionou tais escolhas. Essa ideologia diminuiu ou aumentou
           sem necessidade o Estado de exceção? E de que forma o enfrentou?


                   Releitura do século XX, releitura do comunismo,
                              releitura de Marx e Engels


                Questionar a consciência subjetiva dos protagonistas da Revolu-
           ção de Outubro e dos dirigentes do Estado por ela criados significa pôr
           em discussão a própria teoria de Marx e Engels. À luz desse critério
           metodológico, tentamos traçar um balanço do “socialismo real”, come-
           çando pela segunda revolução, a que junta em um único e ininterrupto
           período histórico o Estado de exceção de 1917 e o da Segunda Guerra
           Mundial. A revolução que começou em 1929 foi necessária? Para Stá-
           lin – que considerou inevitável uma nova agressão por parte do mundo
           capitalista –, não há dúvida. Uma opinião, naqueles anos, amplamente
           difusa; ao ser condenado pelo Tribunal especial, Gramsci denunciou os
           preparativos de guerra pelo fascismo; por outro lado, logo após a assi-
           natura do Tratado de Versalhes, o marechal francês Foch declara: “esta
           não é uma paz, é um armistício para vinte anos” .
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                Observamos também o fato de historiadores americanos de re-
           nome reconhecerem hoje que a URSS conseguiu superar a prova posta
           pela agressão hitleriana, apenas em função da precedente coletivização
           da agricultura e da industrialização. Portanto, mais do que sobre a deci-
           são de desencadear a segunda revolução, é preciso concentrar-se sobre
           as modalidades de sua condução.
                  Não se trata apenas do fato de ela ter sido imposta pelo alto. Ve-
           jamos a ideologia que a promove e a sustenta: aos olhos de não poucos

           7  Citado em KISSINGER, H. Diplomacy, Nova Iorque, Simon & Schuster, 1994, p. 250.


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