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MARX, CRISTÓVÃO COLOMBO E A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO | DOMENICO LOSURDO


               bolcheviques, a relação entre cidade e campo se configura como uma
               relação entre Europa e Ásia, entre civilização e barbárie (a civilização,
               tradicionalmente coincidente com a cidade capitalista, é identificada,
               após o Outubro, com a cidade socialista). A industrialização forçada do
               campo, desde antes de ser posta em prática, é comparada ao processo
               de acumulação originária do capitalismo por um economista próximo à
               oposição trotskista, Preobrazhensky, que parece até indicar, como condi-
               ção do desenvolvimento da indústria socialista, a “exploração” de uma
               espécie de “colônia” no interior da URSS, habitada pelas minorias nacio-
               nais presas às suas religiões e a seu “obscurantismo”. A segunda revo-
               lução desencadeada, iniciada em Moscou, acaba assim configurando-se
               como um tipo de guerra colonial, com os horrores próprios das guerras
               coloniais.
                     Nesse momento ocorre a difusão, em larga escala, do universo
               concentracionário, atacando, não apenas inteiras classes sociais, mas
               também inteiras nacionalidades. Sem dúvida tal horror interpela grave-
               mente as responsabilidades dos dirigentes soviéticos.
                     Mas este é apenas um aspecto, embora essencial. Logo após a
               Revolução de Outubro, ao exortar o novo regime a “sufocar ao nas-
               cer com mão de ferro toda tendência separatista”, Rosa Luxemburgo
               ironiza as aspirações nacionais dos “povos sem história”, “cadáveres
               apodrecidos  que emergem  de seus sepulcros seculares” . A primeira
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               formulação é uma citação de Engels, que a usa em artigos publicados
               na Neue Rheinische Zeitung (Nova Gazeta Renana), dirigida por Marx.
               Os dois grandes pensadores revolucionários não conseguiram pensar
               profundamente a questão nacional: não é difícil neles surpreender tra-
               ços da visão, própria do pensamento liberal do tempo, do colonialismo
               como forma de exportação da civilização, a ser conduzida, inclusive
               com métodos apressados ou cruéis, nos territórios habitados por povos
               atrasados ou “sem história”.


               8  Citado em RODOLSKY, R. Friedrich Engels und das Problem der “geschtoslosen Völker”, in Archiv für Sozialgeschich-
               te, IV Bd., 1964, p. 143, nota.


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