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MARX, CRISTÓVÃO COLOMBO E A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO | DOMENICO LOSURDO


               social por eles produzidos é coisa bem diferente da que reduz esse novo
               sistema social – ou início de novo sistema social – ao sistema capitalista
               já existente.
                     Uma coisa é sublinhar a diferença entre a sociedade produzida
               pela revolução francesa e pelo terror jacobino e a polis clássica, outra é
               afirmar a identidade entre sociedade pós-revolucionária e antigo regime.
               E mais: o recurso à categoria de capitalismo de Estado parece orientado
               a suprimir o processo histórico concreto, no sentido de as mais diversas
               realidades políticas e os mais duros conflitos acabarem esmagados em
               uma noite em que todas as vacas são pretas. Na história moderna, a su-
               peração da concepção patrimonial do Estado (suscetível de transmissão
               por hereditariedade e de partição, segundo as vontades do proprietário
               à guisa de qualquer outra propriedade privada) representa um ponto de
               inversão. Porém, o que diríamos de um estudioso que – ao observar, na
               idade moderna, a permanência, ou melhor, o fortalecimento do Estado,
               e, ao mesmo tempo, o fato de o indivíduo continuar exposto e submisso
               a um aparelho de poder que o subjuga – formulasse a tese de que nada
               de novo se passou com o anoitecer da sociedade feudal e da concepção
               patrimonial do Estado?
                     Na realidade, tal anoitecer envolve enormes mudanças. Se, de um
               lado, evoca o espectro do Leviatã (deixa emergir o perigo novo de um
               poder político dotado de uma força e de uma capacidade de controle até
               então desconhecidas), de outro, constitui o pressuposto para a afirma-
               ção da figura moderna do indivíduo e do homem titular de direitos, de-
               sejoso de fazer valer sua própria vontade na configuração da realidade
               política. Quem não quiser ficar preso ao ponto de vista místico do “nihil
               sub sole novi” (nada de novo sob o sol) dever-se-ia empenhar em investi-
               gar as mudanças, os novos perigos (a ulterior dilatação do Leviatã) e as
               novas possibilidades de emancipação que o afirmar-se de um presumi-
               do capitalismo de Estado abrange: embora as relações de poder dentro
               da fábrica permaneçam intocadas, a superação da propriedade privada
               dos meios de produção dificulta a reprodução da burguesia como classe



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