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ESTUDO INTRODUTÓRIO | JOÃO QUARTIM DE MORAES
e dilemas com que se defrontava a cultura da época, mostrando como,
transposta para o terreno cultural, a filosofia expressa a luta entre a
afirmação e a negação da universalidade da condição humana.
Não compreenderíamos o essencial da construção teórica de Lo-
surdo se nela víssemos uma interpretação política extrínseca às filosofias
que ele discute. Vale insistir nesse ponto decisivo: ele procede de dentro
para fora, discernindo no movimento interno de um pensamento as in-
flexões suscitadas pela situação objetiva. O exemplo de Fichte, referido
por Azzarà, é esclarecedor. Filósofo da subjetividade radical, ele saudou
os princípios emancipadores da Revolução Francesa, mas, quando em
nome desses princípios Napoleão invadiu a Alemanha, ele assumiu um
intransigente patriotismo germânico, “condenando por completo, com
a invasão napoleônica, também o próprio espírito de 1789, que ante-
riormente exaltara” e em consequência contestando “o universalismo
filosófico” em que se baseava aquela Revolução.
Em 1993, Losurdo ampliou o campo de sua produção teórica lan-
çando Democracia ou bonapartismo. Triunfo e decadência do sufrágio univer-
sal, livro que o tornou conhecido por novos círculos de leitores, valen-
do-lhe celebridade internacional. Ele lá explicou como o tão almejado
direito de voto, conquistado com sangue operário, serviu paradoxal-
mente para levar à presidência da efêmera segunda República france-
sa o aventureiro golpista Luís Bonaparte, que recebeu 5,5 milhões de
votos, contra 1,5 milhão para seu principal oponente, o general Ca-
vaignac, cujo maior trunfo eleitoral era ter dirigido os massacres de
23-26 de junho daquele ano, que esmagaram a revolução proletária. Os
paradoxos têm explicação. Num contexto de reação política, os avanços
institucionais podem sofrer as piores manipulações. Derrotado e dizi-
mado o movimento operário, a massa camponesa, grande maioria da
população, votou maciçamente no candidato que prometia garantir a
pequena propriedade rural .
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2 Conhecemos no Brasil os efeitos perversos da dialética do sufrágio universal: ao voltar a exercer, em 1989, após
vinte e nove anos, o direito de eleger o presidente da República, o corpo eleitoral também escolheu um pífio es-
pertalhão, cujo “programa” consistia em saquear os cofres públicos e empreender a destruição dos direitos sociais
consignados na então recém-promulgada Constituição de 1988.
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