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ESTUDO INTRODUTÓRIO | JOÃO QUARTIM DE MORAES
do materialismo histórico. Elas seriam indispensáveis, porque ele e sua
geração se defrontaram com “a crise mais importante, talvez a última
e definitiva” do marxismo, cuja história, entretanto, como ele próprio
assinala, percorreu desde o início uma ininterrupta cadeia de “crises”.
Uma crise é um fato histórico; afirmar que ela é a última e definitiva é
sempre arriscado. Azzarà modula a afirmação com um talvez (“forse”),
mas o importante é saber a qual aspecto ou versão do marxismo ele
está se referindo. Ele acrescenta, em seguida, ressaltando a firmeza in-
telectual e política de Losurdo, que se aventurar a uma “reflexão sobre
sua tradição histórica e cultural”, no momento em que o “movimento
operário e seus aparelhos intelectuais se encontravam já quebrados”,
parecia a muitos “improdutivo, ou mesmo sem sentido”.
Fica claro, neste contexto, que ele tem em vista não somente a
derrocada do campo soviético, mas também seus desdobramentos sobre
países europeus como Itália e França, notadamente onde o marxismo e
o comunismo tinham exercido durante várias décadas forte influência
sobre os sindicatos, as forças populares, a inteligência e a juventude.
A partir dos anos 1970, entretanto, os partidos comunistas desses dois
países, seguidos pelo da Espanha, distanciaram-se politicamente da
União Soviética, adotando a doutrina do eurocomunismo, que incor-
porou ideias liberais e sobretudo, como indica o nome que adotaram,
eurocêntricas. O que não os impediu de serem duramente atingidos
pela derrota do “socialismo real” na virada da década de 1980 para a
de 1990. A conexão entre a crise do comunismo soviético e a do co-
munismo ocidental ficou evidente em 1991: no mesmo ano em que a
contrarrevolução liberal encabeçada por Ieltsin triunfou na Rússia, o
Partido Comunista Italiano reunido em Congresso renegou o comunis-
mo, adotando o nome de partido democrático da esquerda e as ideias da
social-democracia.
Mais complexa é a conexão entre a crise do marxismo soviético
e a do marxismo ocidental. Confinado, no “socialismo real”, ao papel
de doutrina oficial do Partido e do Estado, o marxismo lá perdera sua
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