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ESTUDO INTRODUTÓRIO | JOÃO QUARTIM DE MORAES


               po, constitui um dos grandes desafios teóricos com que se defronta o
               marxismo. Não maiores, porém, do que aqueles que a teoria leninista
               do imperialismo enfrentou.
                     Segundo Azzarà, é preciso “uma releitura da luta de classes” ca-
               paz “de ultrapassar o esquematismo binário e economicista [...] entre
               um proletariado sempre indefinido e uma burguesia não menos mal-
               -entendida”. Seguramente, o “esquematismo binário e economicista”
               está presente no campo marxista, exercendo efeitos intelectualmente
               paralisantes e politicamente desastrosos. Como todo simplismo tenaz,
               ele se apoia numa constatação incontestável: a polarização trabalho
               assalariado/capital está inscrita nos fundamentos da lógica objetiva da
               produção. Entretanto, na trama concreta da luta de classes, essa con-
               tradição fundamental do modo capitalista de produção só se manifes-
               ta concretamente, de modo “puro”, na luta econômica entre patrões e
               operários . Mas considerar, como os anarquistas, que a luta econômica
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               por maiores salários e melhores condições de trabalho é imediatamen-
               te política implica renunciar a participar concretamente dos grandes
               problemas da sociedade que ultrapassam a esfera fabril. Os leitores de
               Lênin bem sabem que ele enfatizava, ao tratar do combate político da
               classe operária, a importância decisiva de levar em conta a totalidade
               das contradições sociais. Por isso costumava sublinhar a palavra todo,
               em todas as suas flexões gramaticais!
                     Mas a crítica mais radical ao marxismo do século XX, tal como
               a expressa Azzarà, é que nele estaria presente um “insuperável sopro
               messiânico, desejoso de uma palingênese total do mundo”, que levaria
               “ao fim das nações, do mercado, do dinheiro, do poder e o desvanecer
               da conflitualidade em geral”. Sem dúvida, encontramos componentes
               messiânicos não somente no marxismo do século XX, mas também no
               do XIX e no do XXI. Hegel comentou ironicamente o provérbio “não há
               herói para seu criado de quarto”, ponderando: “Não porque aquele não

               6  Entre as tendências “puristas” que se enquadram claramente no “esquematismo binário e economicista”, algumas,
               no Brasil e alhures, apoiam-se na “ontologia” de Lukács para rejeitar explicitamente a política em geral, porque ela
               não cabe na “essência genérica do homem”. Não por acaso, esses ontólogos não gostam de Lênin.


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