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LOSURDO. PRESENÇA E PERMANÊNCIA


           seja herói, mas porque este é apenas um criado de quarto”. A inversão
           materialista da ironia poderia ser: “Só ingênuos esperam o Messias, não
           porque haja algum Messias, mas porque eles são ingênuos”. A espe-
           rança em uma “palingênese total do mundo” pode catalisar energias
           revolucionárias, mas cedo ou tarde ela se choca com os fatos, os quais,
           como diz um provérbio materialista que Lênin apreciava, são cabeçu-
           dos. Resta saber até que ponto esta e outras esperanças foram alimen-
           tadas não somente pelo “marxismo do século XX”, mas também pelo
           do século XIX.
                Comecemos por este. Em Marx, Cristóvão Colombo e a revolução de
           Outubro – um de seus dois trabalhos republicados nesta coletânea –,
           Losurdo assinala a ironia do Manifesto Comunista em relação a “este ou
           aquele  renovador  do  mundo”  que  pretende  contrapor  sua  doutrina
           de salvação ao “movimento histórico que se desenvolve sob os nossos
           olhos”. Também irônica é a conexão apontada por Engels entre o socia-
           lismo utópico e a “figura do profeta”, que pretende redimir a humani-
           dade com suas divagações meta-históricas. Longe do profetismo, foi no
           terreno objetivo da crítica histórico-materialista da economia política
           que Marx e Engels apontaram a tendência à expansão planetária da
           burguesia e a subordinação do desenvolvimento capitalista das forças
           produtivas à lógica objetiva da valorização do valor; discerniram na ex-
           tração da mais-valia natureza da exploração da força de trabalho; previ-
           ram a recorrência das crises etc.
                Tampouco nos parece haver algum “sopro messiânico” na missão
           histórica que o Manifesto atribui ao proletariado: tomar o poder e instau-
           rar o socialismo nas sociedades onde mais se desenvolvera o modo de
           produção capitalista. Em 1847-1848, esta expectativa configurava uma
           possibilidade objetiva. Ela não se confirmou, mas não era pura ilusão
           utópica. A Comuna de Paris, a Revolução de Outubro, os ciclos revolu-
           cionários de 1918-1919 na Itália e os de 1918-1924 na Alemanha, mais
           tarde a Segunda República Espanhola entre 1936-1939, a vitória sovié-
           tica sobre os invasores nazi-fascistas, o êxito dos planos quinquenais



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