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ESTUDO INTRODUTÓRIO | JOÃO QUARTIM DE MORAES


               de Outubro 1917, inclusive o italiano, cuja distância crítica em relação
               à União Soviética era notória. Na lógica dessa rejeição, inscrevia-se a
               recusa em admitir que as lutas de libertação nacional impunham aos
               comunistas “orientais” métodos, alianças e programas muito diferen-
               tes daqueles próprios ao combate socialista dos movimentos operários
               europeus.
                     Dez anos antes, em sua Dialética Negativa (1966), Theodor Adorno
               tentara liquidar o conceito hegeliano de “espírito do povo” (Volksgeist)
               e com ele “o caráter essencial da dimensão e da questão nacional”. Clas-
               sificou o conceito de “reacionário” e regressivo “em relação ao universal
               kantiano [...], a humanidade agora visível”, porque eivado de “naciona-
               lismo” e “provinciano na época de conflitos mundiais e do potencial de
               uma organização mundial do mundo”. Pior ainda, tratar-se-ia do culto
               tributado a um “fetiche”, a um “sujeito coletivo” (a nação), no âmbito
               do qual “os sujeitos [individuais] desaparecem sem deixar vestígios”.
               Com isso, observa Losurdo, Adorno estava deslegitimando a guerra con-
               duzida pela Frente de Libertação Nacional da Argélia, um povo e um
               país sem dúvida mais provincianos, mais atrasados e menos cosmopo-
               litas do que a França, contra a qual se insurgiram. Em todo caso, ele se
               colocava na impossibilidade de entender as grandes lutas que estavam
               ocorrendo debaixo de seus olhos, a começar por aquela dirigida pela
               Frente de Libertação Nacional do Vietnã .
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                     Os demais pensadores eurocêntricos de ontem e de hoje (Arendt,
               Foucault, Agamben, Negri, Zizek etc.) cativaram, com sua retórica radi-
               cal, parcela considerável da esquerda ocidental, mas deixaram na pe-
               numbra, quando não desqualificaram, as mais grandiosas revoluções
               do século XX, a chinesa, a coreana, a cubana e a vietnamita. (Zizek,
               por exemplo, caricatura grosseiramente Mao Tsé-tung). Afirmaram-se
               como “ocidentais” negando os “orientais”.  Com isso, perderam de vista
               a interdependência das lutas anticoloniais e das lutas anticapitalistas:
               dividir os trabalhadores, distribuindo a certas parcelas da classe operá-

               5 LOSURDO, Domenico. Como nasceu e como morreu o “marxismo ocidental”. Estudos de Sociologia, op. cit., p. 223,
               e O “marxismo ocidental”. Como nasceu, como morreu, como pode renascer, op. cit., p. 94-95.

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