Page 134 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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adquiriu uma parcela de interesse no armazém dos Abbandando, fornecendo-lhe não somente
azeite, mas também salame, presuntos e queijos importados da Itália. Então meteu um sobrinho
no armazém, e Vito Corleone viu-se desempregado.
Por essa época, o segundo filho, Frederico, havia nascido, e Vito Corleone tinha quatro bocas
para alimentar. Até aquele tempo, ele fora um rapaz sossegado, comedido, que guardava seus
pensamentos para si mesmo. O filho do dono do armazém, o jovem Genco Abbandando, era seu
amigo mais íntimo, e para surpresa de ambos, Vito censurou o amigo pela ação do pai. Genco,
vermelho de vergonha, garantiu a Vito que ele não precisaria preocupar-se a respeito de comida.
Ele, Genco, roubaria comida do armazém para atender as necessidades do amigo. Essa oferta,
porém, foi terminantemente rejeitada por Vito por ser muito vergonhoso um filho roubar o pai.
O jovem Vito, contudo, passou a sentir uma raiva surda pelo temível, Fanucci. Nunca
demonstrou essa raiva de modo algum, mas aguardava uma oportunidade. Trabalhou na estrada
de ferro por alguns meses e depois, quando a guerra terminou, o serviço se tornou escasso, e ele
só conseguia trabalhar alguns dias por mês. Além disso, a maioria dos capatazes eram irlandeses
ou americanos e insultavam os trabalhadores usando a linguagem mais suja possível, o que Vito
sempre suportava impassivelmente, já que fingia não compreender, embora entendesse inglês
muito bem, apesar de seu sotaque.
Uma noite, quando Vito estava ceando com a família, ouviu uma pancada na janela que
dava para a estreita passagem que separava sua casa do prédio vizinho. Quando puxou a cortina
para o lado, Vito viu com espanto um dos rapazes da redondeza,.Peter Clemenza, inclinando-se
para fora da janela do outro lado da passagem. Estava estendendo uma trouxa de lençol branco.
— Olhe aqui, paisan — disse Clemenza. — Guarde isso para mim até eu pedir de volta.
Depressa!
Automaticamente, Vito esticou as mãos pelo espaço vazio da passagem de ar e agarrou a
trouxa. O rosto de Clemenza denotava tensão e premência. Ele se encontrava em alguma
dificuldade e o gesto de ajuda de Vito foi instintivo. Mas, quando Vito abriu a trouxa na cozinha,
viu cinco armas de fogo lubrificadas manchando o pano branco. Ele as pôs no armário da quarto
de dormir e esperou. Soube então que Clemenza tinha sido levado pela polícia. Os tiras deviam
estar batendo na porta de Clemenza quando ele lhe passou as armas pela janela.
Vito nunca disse uma palavra a ninguém e, naturalmente, sua mulher, aterrorizada, não se
atrevia a abrir a boca, nem mesmo para mexericos, com medo de que o próprio marido fosse
enviado para a cadeia. Dois dias depois, Peter Clemenza reapareceu por lá e perguntou a Vito
casualmente:
— Você ainda está com meu material?
Vito acenou com a cabeça afirmativamente. Tinha o hábito de falar pouco. Clemenza foi até
o apartamento de Vito, onde lhe ofereceram um copo de vinho, enquanto Vito desentocava a
trouxa do armário do quarto de dormir.
Clemenza bebeu o vinho, enquanto o seu rosto bonachão contemplava atentamente Vito.
— Você viu o que tem aí dentro?
Vito, com o rosto impassível, balançou a cabeça.
— Não me interesso por coisas que não me dizem respeito — respondeu. Beberam vinho
juntos o resto da noite. Acharam que havia muita afinidade entre ambos. Clemenza gostava de
contar histórias; Vito Corleone gostava de ouvir contadores de histórias. Tornaram-se amigos
imediatamente.
Alguns dias depois, Clemenza perguntou à mulher de Vito Corleone se ela gostaria de ganhar
um tapete fino para o assoalho de sua sala de estar. Ele levou Vito consigo para ajudar a carregar
o tapete.
Clemenza levou Vito até um edifício de apartamentos, o qual possuía duas colunas de
mármore branco e uma pia de água benta do mesmo material no hall. Clemenza abriu a porta
com a chave, e ambos entraram num aparta mento elegante.
— Vá para o outro lado da sala e ajude-me a enrolá-lo — gritou Clemenza.