Page 167 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 17
A GUERRA DE 1947 entre a Família Corleone e as Cinco Famílias aliadas contra ela provou
ser muito cara para ambos os lados. Tornou-se ainda mais complicada, por causa da pressão que
a polícia passou a exercer para resolver o assassinato do Capitão McCluskey. Era raro que os
funcionários do Departamento de Polícia ignorassem a força política que protegia as atividades
do jogo e do vício, mas nesse caso, os políticos eram tão inúteis como o estado-maior de um
exército amotinado e saqueador cujos oficiais combatentes se recusassem a cumprir as ordens.
Essa falta de proteção não prejudicava tanto a Família Corleone como a seus adversários. O
grupo Corleone dependia da jogatina para obter a maior parte de sua renda, e foi atingida de rijo
no “número” ou ramificações “políticas” de suas operações. Os mensageiros que colhiam as
informações para as bancas eram conduzidos para o distrito policial, onde levavam uma
surrazinha, antes de serem fichados. Algumas “bancas” foram localizadas e varejadas, com
grande prejuízo financeiro. Os “banqueiros”, indivíduos de alto gabarito, cheios de direitos,
queixavam-se aos caporegimes, que levavam tais queixas ao supremo conselho da Família.
Entretanto, nada se podia fazer. Os banqueiros foram aconselhados a sair do negócio. Franco-
atiradores negros do local foram autorizados a tomar conta das bancas, no Harlem, e eles agiam
de maneira tão dispersiva que a polícia encontrava dificuldades em apanhá-los.
Depois da morte do Capitão McCluskey, alguns jornais publicaram histórias envolvendo-o
com Sollozzo. Apresentavam prova de que McCluskey recebera quantias enormes de dinheiro,
pouco antes de sua morte. Essas histórias tinham sido espalhadas por Hagen, sendo as
informações fornecidas por ele. O Departamento de Polícia recusou-se a confirmar ou
desmentir tais notícias, mas estava investigando. A organização policial soube através de
informantes, de policiais que recebiam “bola” das Famílias, que McCluskey era um policial
corrupto. Não porque ele aceitava grana “limpa”, absolutamente, não havia censura quanto a
isso. Mas porque ele aceitara o mais sujo dos dinheiros: o oriundo de tráfico de entorpecentes ou
de assassinatos. Segundo a moralidade dos policiais, isso era imperdoável.
Hagen compreendia que o policial acreditava na lei e na ordem de um modo curiosamente
inocente. Acreditava nisso mais do que o público a quem ele serve. Afinal de contas, a lei e a
ordem é a mágica de onde extrai o poder individual que ele acalenta como quase todos os
homens. Contudo, há sempre o ressentimento reprimido contra o público a quem serve. Ele é ao
mesmo tempo seu guarda e sua presa. Como guarda, é ingrato, abusado e exigente. Como presa,
é escorregadio e perigoso, cheio de manha. Logo que alguém cai nas garras de um policial, o
mecanismo da sociedade que ele defende reúne todos os seus recursos para arrancar a presa de
suas mãos. A prisão é relaxada pelos políticos. Juízes dão sursis tolerantes aos piores bandidos.
Governadores dos Estados e o próprio Presidente dos Estados Unidos dão perdões plenos,
admitindo que advogados respeitáveis já não obtiveram a sua absolvição. Após algum tempo, o
policial aprende. Por que não receber esses honorários que os bandidos estão pagando? Mais do
que ninguém, ele precisa disso. Por que seus filhos não devem freqüentar a faculdade? Por que
sua mulher não deve comprar nas lojas mais caras? Por que ele mesmo não deve gozar o sol
com umas férias de inverno na Flórida? Afinal de contas, ele arrisca a vida e isso não é
brincadeira.
Geralmente, se obstina em não aceitar a grana suja. Aceitará dinheiro para que um
bookmaker possa funcionar; de um homem que detesta multas de estacionamento ou dirige com
velocidade excessiva. Permitirá que prostitutas e outras mulheres exerçam a sua atividade, a
troco de uma pequena remuneração. Tais fraquezas são naturais ao homem. Mas absolutamente
não aceitará a grana de traficância de entorpecentes, assaltos à mão armada, estupro, assassinato
e outros tipos de crimes. Em sua mente, tais coisas atingem a essência de sua autoridade pessoal
e não podem ser encorajadas.