Page 172 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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aprontando-se para a sua soneca. Em seguida, pegou o telefone e disse com uma cortesia
tranqüila:
— Alô.
A voz do outro lado era áspera. forçada.
— Aqui é Tom Hagen. Estou falando em nome de Don Corleone, a pedido dele.
Amerigo Bonasera sentiu o café agitar-se amargamente em seu estômago, sentiu-se
possuído de um certo mal-estar. Havia mais de um ano que ele contraíra uma dívida com Don
Corleone para vingar a honra de sua filha e nessa altura a lembrança de que ele tinha de pagar
essa dívida estava muito longe. Ficara tão grato ao ver o rosto ensangüentado daqueles dois
salafrários que faria tudo por Don Corleone. Mas o tempo desgasta a gratidão mais depressa do
que a beleza. Agora Bonasera sentia a doença de um homem que enfrentava uma desgraça. A
sua voz gaguejou quando ele respondeu:
— Sim, compreendo. Estou ouvindo.
Ele estava surpreso com a frieza da voz de Hagen. O consigliori sempre fora um homem
cortês, embora não sendo italiano, mas agora se mostrava rudemente brusco.
— Você deve um serviço ao Don — disse Hagen. — Ele não tem dúvida de que você lhe
pagará. De que você será feliz em ter esta oportunidade. Dentro de uma hora, não antes, talvez
depois, ele estará em sua empresa funerária para lhe pedir um favor. Esteja lá para recebê-lo.
Não tenha lá ninguém que trabalhe para você. Mande todo mundo embora. Se você não tem
qualquer objeção a fazer, fale agora e eu informarei Don Corleone. Ele tem outros amigos que
podem fazer esse serviço.
Amerigo Bonasera quase gritou em seu susto:
— Como pode você pensar que eu faltaria ao Padrinho? Certamente, farei tudo o que ele
deseja. Não esqueci minha dívida. Irei para a minha empresa imediatamente, agora mesmo.
A voz de Hagen era mais delicada agora, mas havia algo estranho nela.
— Muito obrigado — respondeu ele. — O Don nunca teve dúvidas a seu respeito. A dúvida
era minha. Atenda-o esta noite e você poderá me procurar sempre que tiver dificuldades, você
ganhará a minha amizade pessoal.
Isso assustou Amerigo Bonasera ainda mais. Ele gaguejou:
— O próprio Don vai-me procurar esta noite?
— Sim — respondeu Hagen.
— Então ele está completamente restabelecido dos ferimentos, graças a Deus — disse
Bonasera. A sua voz estava como que perguntando.
Houve uma pausa do outro lado do telefone, depois a voz de Hagen falou muito
tranqüilamente:
— Sim.
Houve um pequeno estalo e o telefone emudeceu.
Bonasera estava suando. Foi para o quarto, mudou a camisa e lavou a boca. Mas não fez a
barba nem mudou a gravata. Pôs a mesma que usara durante o dia. Telefonou para a empresa
funerária e pediu ao ajudante que ficasse com a família desolada usando a sala da frente naquela
noite. Ele próprio estaria ocupado na sala do laboratório da empresa. Quando o ajudante
começou a fazer perguntas, Bonasera cortou-lhe a fala laconicamente e disse-lhe para seguir
exatamente as ordens.
Em seguida, vestiu o paletó, e sua mulher, ainda comendo, levantou os olhos para ele com
surpresa.
— Tenho um trabalho a fazer — comunicou, e ela não se atreveu a interrogá-lo devido ao
aspecto estampado no rosto do marido.
Bonasera saiu de casa e andou os poucos quarteirões até a sua empresa funerária.
Esse edifício ficava isolado num terreno enorme com uma cerca de paus brancos colocados
em toda a sua volta. Havia uma estreita pista de rolamento, da rua para os fundos, com largura