Page 200 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 200

CAPÍTULO 21
    MAS TEVE DE TRANSCORRER quase outro ano para que Don Corleone pudesse arranjar
  que seu filho Michael voltasse clandestinamente para os Estados Unidos. Durante esse tempo,
  toda a Família quebrou a cabeça para arquitetar pianos adequados. Até Carlo Rizzi foi ouvido,
  agora que ele morava na alameda com Connie. (Durante esse tempo, eles tiveram um segundo
  filho, um menino.) Mas nenhum dos planos mereceu a aprovação de Don Corleone.
    Finalmente,  foi  a  Família  Bocchicchio  que,  através  de  uma  infelicidade  que  lhe  ocorreu,
  resolveu o problema. Havia um Bocchicchio, um primo jovem que não tinha mais de 25 anos de
  idade, chamado Felix, que nascera na América e que tinha mais cabeça do que qualquer outro
  membro do clã jamais tivera. Ele se recusara a entrar no negócio de coleta de lixo da Família e
  se casara com uma distinta moça americana de ascendência inglesa, para consolidar ainda mais
  o seu afastamento do clã. Freqüentava a escola à noite, para se tornar advogado, e trabalhava
  durante o dia como funcionário dos correios. Durante esse tempo, sua mulher teve três filhos. Ela
  era uma administradora competente, e eles viveram do salário dela até que o marido se formou.
    Agora  Felix  Bocchicchio,  como  muitos  outros  jovens,  pensava  que,  tendo  lutado  para
  terminar  seus  estudos  e  dominar  as  ferramentas  de  sua  profissão,  a  sua  virtude  seria
  automaticamente recompensada e ele levaria uma vida decente. Isso, porém, infelizmente não
  aconteceu. Ainda orgulhoso, ele se recusou a aceitar qualquer ajuda do clã. Mas um advogado
  amigo seu, um jovem bem relacionado e que estava iniciando a carreira numa grande firma de
  advocacia, solicitou a Felix que lhe fizesse um pequeno favor. Era uma coisa muito complicada,
  aparentemente legal, e tinha relação com um caso de falência fraudulenta. Tinha a possibilidade
  de um milhão contra um de ser descoberta. Felix Bocchicchio aceitou o risco. Já que a fraude
  envolvia o uso de recursos legais que ele aprendera na universidade, parecia não ser assim tão
  condenável e, de maneira curiosa, nem mesmo criminosa.
    Para  resumir  a  história,  a  fraude  foi  descoberta.  O  amigo  advogado  recusou-se  a  ajudar
  Felix de qualquer maneira, recusou-se até a atender os seus telefonemas. Os dois responsáveis
  principais  pela  fraude,  astutos  negociantes  de  meia-idade  que  atribuíram  à  incompetência
  jurídica de Felix Bocchicchio o fato de ter o plano dado mau resultado, confessaram-se culpados
  e colaboraram com o Estado, indicando Felix Bocchicchio como o cabeça da fraude e alegando
  que usara de ameaças de violência para controlar o negócio deles e forçá-los a colaborar com
  ele em seus planos fraudulentos. Foi provado que Felix tinha tios e sobrinhos no clã Bocchicchio
  que  possuíam  antecedentes  criminais  de  atos  de  violência,  e  isso  lhe  foi  ruinoso.  Os  dois
  negociantes foram conde nados e obtiveram sursis. Felix Bocchicchio foi condenado a uma pena
  de um a cinco anos e cumpriu três deles. O clã não solicitou auxílio de qualquer das Famílias ou
  de Don Corleone porque Felix se recusara a pedir-lhe ajuda e precisava receber uma lição: que a
  misericórdia só vem da Família, que a Família é mais leal e merece mais confiança do que a
  sociedade.
    De qualquer forma, Felix Bocchicchio foi solto depois de cumprir três anos de prisão, voltou
  para  casa  e  beijou  a  mulher  e  os  três  filhos  e  viveu  tranqüilamente  durante  um  ano,  e  então
  mostrou que era do clã dos Bocchicchio afinal de contas. Sem qualquer tentativa de esconder sua
  culpa,  arranjou  uma  arma,  uma  pistola,  e  atirou  no  seu  amigo  advogado,  matando-o.  Depois
  procurou os dois negociantes e calmamente atirou-lhes na cabeça quando eles saíam de uma
  lanchonete. Deixou os corpos estendidos na rua e entrou na lanchonete onde pediu uma xícara de
  café que bebeu enquanto esperava que a polícia chegasse para prendê-lo.
    O seu julgamento foi rápido e a sentença impiedosa. Um membro do submundo assassinara
  a sangue frio testemunhas que o tinham enviado para a prisão que ele indiscutivelmente merecia.
  Era um escárnio flagrante à sociedade e imediatamente o público, a imprensa, a estrutura da
  sociedade  e  os  humanitários  de  cabeça  mole  e  de  coração  também  mole  se  uniram  em  seu
  desejo de ver Felix Bocchicchio na cadeira elétrica. O governador do Estado não lhe concederia
  mais clemência do que os funcionários da carrocinha dispensariam a um cão danado, de acordo
   195   196   197   198   199   200   201   202   203   204   205