Page 216 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 23
    DEPOIS DE CINCO MESES de exílio na Sicília, Michael Corleone começou finalmente a
  compreender  o  caráter  do  pai  e  o  seu  destino.  Começou  a  compreender  homens  como  Luca
  Brasi,  o  implacável caporegime Clemenza, a resignação da mãe e a aceitação do papel dela.
  Pois  na  Sicília  viu  o  que  eles  teriam  sido  se  tivessem  resolvido  não  lutar  contra  o  destino.
  Compreendeu por que Don Corleone sempre dizia: “O homem tem apenas um destino.”
    Começou  a  compreender  o  desprezo  pela  autoridade  e  pelo  governo  legal,  o  ódio  por
  qualquer homem que infringisse a omertà, a lei do silêncio.
    Vestido em roupas velhas e usando um gorro de bico, Michael fora transportado do navio
  atracado em Palermo para o interior da Sicília, para o próprio centro da província controlada
  pela Máfia, onde o capo-mafioso local tinha uma grande dívida para com o seu pai por algum
  serviço feito no passado. A província continha a cidade de Corleone, cujo nome o pai adotara
  quando emigrara para a América há bastante tempo. Mas não havia mais nenhum parente vivo
  de  Don  Corleone.  As  mulheres  tinham  morrido  de  velhice.  Todos  os  homens  haviam  sido
  assassinados  em  vendettas  ou  então  tinham  emigrado  para  a  América,  para  o  Brasil  ou  para
  qualquer outra província da Itália. Ele aprenderia mais tarde que essa pequena cidade tão pobre
  tinha o índice de homicídio mais alto do que qualquer outro lugar do mundo.
    Michael foi instalado como hóspede na casa de um tio solteiro do capo-mafioso. O tio, nos
  seus setenta anos de idade, era também o médico do bairro. O capo-mafioso era um homem já
  beirando  os  sessenta  anos  de  idade  chamado  Don  Tommasino  e  exercia  a  atividade  de
  gabbellotto de uma grande propriedade pertencente a uma das famílias mais nobres da Sicília. O
  gabbellotto, uma espécie de administrador das propriedades dos ricos, também garantia que os
  pobres não tentariam reclamar a terra que não estava sendo cultivada, não tentariam invadir de
  qualquer maneira a propriedade, instalando-se sorrateiramente ali como posseiros. Em suma, o
  gabbellotto era um mafioso que por uma certa soma de dinheiro protegia os bens imóveis dos
  ricos  contra  qualquer  reivindicação,  legal  ou  ilegal,  feita  pelos  pobres.  Quando  qualquer
  camponês  pobre  tentava  executar  a  lei  que  lhe  permitia  comprar  a  terra  não-cultivada,  o
  gabbellotto intimidava-o com ameaças de dano físico ou mor te. A coisa era assim bem simples.
    Don  Tommasino  também  controlava  os  direitos  da  água  da  região  e  vetava  a  construção
  local  de  qualquer  represa  nova  pelo  governo  de  Roma.  Tais  represas  arruinariam  o  negócio
  lucrativo  de  vender  a  água  dos  poços  artesianos  que  ele  controlava,  tornariam  a  água  muito
  barata, arruinariam a importantíssima economia da água tão laboriosamente construída durante
  centenas de anos. Contudo, Don Tommasino era um chefe antiquado da Máfia e nada teria a ver
  com o tráfico de entorpecentes ou prostituição. Nisso Don Tommasino estava em desavença com
  a nova geração de líderes da Máfia que surgiam nas grandes cidades como Palermo, homens
  novos  que,  influenciados  pelos gangsters americanos deportados para a Itália, não tinham tais
  escrúpulos.
    O  chefe  da  Máfia  era  um  homem  extremamente  imponente,  um  “homem  de  tutano”,
  literalmente como também no sentido figurado isso significava: um homem capaz de inspirar
  medo  nos  seus  semelhantes.  Sob  a  sua  proteção,  Michael  nada  podia  recear,  contudo  era
  considerado  necessário  manter  em  segredo  a  identidade  do  fugitivo.  E  assim  Michael  vivia
  confinado na propriedade murada do Dr. Taza, o tio de Don Tommasino.
    O Dr. Taza era um homem alto para um siciliano, mais de 1,80m, e tinha faces rosadas e
  cabelo branco. Embora nos seus setenta anos de idade, ia toda semana a Palermo prestar sua
  homenagem às mais jovens prostitutas daquela cidade, quanto mais jovens, melhor. O outro vício
  do Dr. Taza era a leitura. Ele lia tudo e falava sobre o que lia aos seus concidadãos, camponeses
  analfabetos, que trabalhavam como pastores da propriedade, e isso lhe dava uma reputação local
  de tolo. Que tinham os livros a ver com eles?
    À  noite,  o  Dr.  Taza,  Don  Tommasino  e  Michael  sentavam-se  no  imenso  jardim  povoado
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