Page 217 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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daquelas estátuas de mármore que nessa ilha pareciam emergir do chão de modo tão mágico
quanto as uvas obstinadamente pretas. O Dr. Taza gostava de contar histórias sobre a Máfia e as
suas explorações através dos séculos, e Michael Corleone era um ouvinte fascinado. Havia vezes
em que mesmo Don Tommasino se deixava levar pelo ar refrescante, pelo vinho embriagador e
feito puramente de uva, pelo elegante e tranqüilo conforto do jardim, e contava uma história
baseada em sua própria experiência prática. O doutor era a lenda, o Don era a realidade.
Em seu antigo jardim, Michael Corleone descobriu as raízes de onde proviera seu pai. Que a
palavra “Máfia” originalmente significava lugar de refúgio. Depois tornou-se o nome de uma
organização secreta que surgiu para lutar contra os diligentes que haviam esmagado o país e seu
povo durante séculos. A Sicília era uma terra que havia sido mais cruelmente martirizada do que
qualquer outra na história. A Inquisição torturara igualmente pobres e ricos. Os barões
proprietários de terras e os príncipes da Igreja Católica exerciam o poder absoluto sobre os
pastores e agricultores. A polícia era o instrumento do seu poder e se achava tão identificada com
eles que chamar alguém de policial é o maior insulto que um siciliano pode pronunciar contra
outro.
Ante a selvageria desse poder absoluto, o povo sofredor aprendeu a nunca trair sua raiva e
seu ódio com medo de ser esmagado. Aprendeu a nunca se tornar vulnerável pronunciando
qualquer sorte de ameaça, já que dar tal aviso era garantir uma represália rápida. Aprendeu que
a sociedade era inimiga dele e assim quando alguém queria vingar agravos ia ao subterrâneo
rebelde, a Máfia. E a Máfia consolidou o seu poder dando origem à lei do silêncio, a omertà. Na
zona rural da Sicília, um forasteiro pedindo informação sobre a cidade mais próxima não
receberá nem a cortesia de uma resposta. E o maior crime que qualquer membro da Máfia
podia cometer era dizer à polícia o nome do homem que o baleou ou lhe fez qualquer espécie de
dano. A omertà se tornou a religião do povo. A mulher cujo marido foi assassinado não dirá à
polícia o nome do assassino do marido, nem mesmo o do assassino do seu filho, o do violentador
de sua filha.
A justiça nunca vinha por parte das autoridades e assim o povo sempre recorrera à Máfia de
Robin Hood. E até certo ponto, a Máfia ainda cumprira esse papel. O povo se voltava para o seu
capo-mafioso local em busca de auxílio, em qualquer emergência. Ele era o seu assistente social,
o seu delegado de distrito que estava à sua disposição mediante uma cesta de comida e um
emprego, o seu protetor.
Mas o que o Dr. Taza não acrescentou, o que Michael aprendeu por sua própria conta, nos
meses que se seguiram, foi que a Máfia na Sicília se tornara a arma ilegal dos ricos e até a
polícia auxiliar da estrutura política e jurídica. Tornara-se uma estrutura capitalista degenerada,
anticomunista, antiliberal, cobrando os seus próprios tributos de toda forma de esforço comercial,
por menor que fosse.
Michael Corleone compreendeu pela primeira vez por que homens como o seu pai haviam
optado por serem ladrões e assassinos em lugar de membros da sociedade legal. A pobreza, o
medo e a degradação eram tão grandes que não podiam ser aceitos por alguém de consciência.
E na América muitos imigrantes sicilianos acreditavam que lá a autoridade seria igualmente
cruel.
O Dr. Taza ofereceu-se para levar Michael a Palermo em sua visita semanal ao bordel, mas
Michael recusou. A sua fuga para a Sicília o impedira de fazer o tratamento médico adequado
para a sua fratura do rosto e ele agora trazia uma lembrança do Capitão McCluskey na face
esquerda. Os ossos uniram-se defeituosamente, lançando o seu perfil obliquamente, dando-lhe a
aparência de depravação quando se olhava desse lado. Ele sempre fora vaidoso a respeito de sua
aparência e isso o atormentava mais do que podia imaginar. A dor que ia e vinha não o
preocupava absolutamente, o Dr. Taza dera-lhe algumas pílulas que a amorteciam. Taza
ofereceu-se para tratar-lhe o rosto, mas Michael recusou. Ele já estava ali há bastante tempo
para saber que o Dr. Taza era talvez o pior médico da Sicília. O Dr. Taza lia tudo, menos
literatura médica, que ele admitia não conseguir entender. Passara nos exames da faculdade
graças aos bons ofícios do mais importante chefe da Máfia na Sicília que fizera uma viagem