Page 220 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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pelos ingleses. Mas a tatuagem o tornou famoso na aldeia. Os sicilianos não se deixam tatuar com
  freqüência,  não  têm  oportunidade  nem  inclinação  para  isso.  (O  pastor,  Fabrizzio,  fizera  isso
  principalmente para cobrir uma marca de nascença que consistia numa mancha vermelha na
  barriga.)  Contudo,  as  carroças  de  mercado  da  Máfia  tinham  cenas  alegremente  pintadas  nos
  lados, pinturas de beleza primitiva feitas com capricho. Em todo caso, Fabrizzio, de volta à aldeia
  natal,  não  se  sentia  muito  orgulhoso  dessa  tatuagem  em  seu  peito,  embora  ela  mostrasse  um
  assunto  caro  à  honra  siciliana:  um  marido  apunhalando  um  homem  e  uma  mulher
  completamente nus, enlaçados na sua barriga cabeluda. Fabrizzio brincava com Michael e fazia
  perguntas  sobre  a  América,  pois  naturalmente  era  impossível  mantê-los  na  ignorância  de  sua
  verdadeira  nacionalidade.  Contudo,  não  sabiam  exatamente  quem  era  ele,  exceto  que  estava
  escondido e que não se podia dar com a língua nos dentes a respeito dele. Fabrizzio, às vezes,
  trazia para Michacl um queijo fresco ainda transudando o leite com que fora feito.
    Caminharam ao longo de estradas campestres empoeiradas, passando por carroças puxadas
  a burro alegremente pintadas. O campo estava cheio de flores rosadas, laranjeiras, amendoeiras
  e oliveiras, em pleno florescimento. Isso constituíra uma das surpresas. Michael tinha esperado
  encontrar uma terra árida devido à lendária pobreza  dos  sicilianos.  Contudo,  verificou  ser  ela
  uma terra de fartura arrebatadora, atapetada de flores trescalando a essência de limão. Era tão
  bonita que ele não podia conceber como o seu povo se conformava em abandoná-la. Como o
  homem havia sido terrível para o seu semelhante podia ser avaliado pelo êxodo do que parecia
  ser um jardim do eden.
    Michael planejara ir caminhando até a aldeia litorânea de Mazara, depois tomar um ônibus
  de volta para Corleone à noite, e assim cansar-se tanto que pudesse dormir bem. Os dois pastores
  levavam mochilas cheias de pão e queijo, para comerem durante a viagem. Levavam também
  as suas luparas tão abertamente como se partissem para uma caçada.
    Era  uma  manha  muito  bonita.  Michael  sentia-se  tal  qual  quando  criança  saía  de  casa  de
  manha cedinho nos dias de verão para ir jogar bola. Então, cada dia parecia apresentar uma
  lavagem fresca, uma pintura nova. E assim acontecia agora. A Sicília estava atapetada de flores
  vistosas,  o  cheiro  de  flores  de  laranja  e  limão  era  tão  acentuado  que,  mesmo  com  a  sua
  deformação facial que lhe comprimia as fossas nasais, ele conseguia senti-lo.
    O  ferimento  do  lado  esquerdo  do  seu  rosto  ficara  completamente  curado,  mas  o  osso  se
  soldara  defeituosamente  e  a  pressão  sobre  suas  fossas  nasais  fazia  o  seu  olho  esquerdo  doer.
  Também fazia-lhe o nariz escorrer continuamente, ele enchia lenços e mais lenços de muco e às
  vezes assoava o nariz na terra como faziam os camponeses locais, um hábito que o desagradara
  quando  era  menino  e  via  os  italianos  velhos,  desdenhando  os  lenços  como  afetação  inglesa,
  assoarem o nariz nos esgotos da rua.
    O seu rosto também se sentia “pesado”. O Dr. Taza dissera-lhe que isso era devido à pressão
  exercida  sobre  as  fossas  nasais  causada  pela  fratura  defeituosamente  curada.  O  Dr.  Taza
  chamava-a  de  fratura  delicada  do  zigoma;  dizia  que  se  fosse  tratada  antes  que  os  ossos  se
  unissem poderia ter sido facilmente remediada por meio de uma pequena operação e usando-se
  um instrumento semelhante a uma colher para forçar o osso a tomar a sua forma apropriada.
  Agora,  porém,  dizia  o  médico,  ele  teria  de  ir  a  um  hospital  de  Palermo  submeter-se  a  uma
  operação mais complicada chamada cirurgia maxilofacial em que o osso teria de ser quebrado
  novamente. Isso era demais para Michael. Ele recusou. Contudo, mais do que a dor, mais do que
  o corrimento do nariz, era a sensação de peso no rosto que de fato o incomodava.
    Não conseguiu chegar à costa naquele dia. Depois de percorrerem cerca de 25 quilômetros,
  ele e os dois pastores pararam à sombra fresca e verde de um laranjal para comer alguma coisa
  e beber vinho. Fabrizzio estava tagarelando sobre como algum dia iria para a América. Depois de
  comer e beber, eles se refestelaram na sombra, e Fabrizzio desabotoou a camisa e contraiu os
  músculos do estômago para dar vida à tatuagem. O casal nu pintado no seu peito contorcia-se
  numa agonia amorosa e o punhal empunhado pelo marido tremia na carne transfixada dos dois
  amantes.  Isso  os  divertia.  Foi  nesse  instante  que  Michael  foi  atingido  pelo  que  os  sicilianos
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