Page 222 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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adolescente, nada semelhante ao amor que tinha por Kay, um amor baseado na meiguice e
inteligência dela, na polaridade do louro e moreno. Isso era um desejo esmagador de posse, era
uma impressão indelével do rosto da garota no seu cérebro e ele sabia que ela lhe perseguiria a
memória cada dia de sua vida se ele não a possuísse. A sua vida se simplificara, se focalizara
num ponto, tudo o mais não merecia nem sequer um momento de atenção. Durante o seu exílio,
ele sempre pensara em Kay, embora sentisse que jamais poderiam amar-se novamente ou pelo
menos ser amigos. Ele era, afinal de contas, um assassino, um mafioso que cometera o seu
crime. Mas agora Kay estava completamente eliminada de sua consciência.
Fabrizzio disse espertamente:
— Vou até a aldeia, a gente vai descobrir quem é ela. Quem sabe, talvez ela seja mais fácil
do que a gente pensa. Só há uma cura para o raio, hem, Caio?
O outro pastor acenou com a cabeça seriamente. Michael nada disse. Seguiu os dois homens
quando eles começaram a descer a estrada para a aldeia próxima na qual o bando de garotas
desaparecera.
A aldeia se agrupava em torno da usual praça central com sua fonte. Mas ficava numa
estrada principal, de modo que havia ali algumas lojas, casas de vinho e um pequeno café com
três mesas do lado de fora num pequeno terraço. Os pastores sentaram-se numa das mesas e
Michael reuniu-se a eles. Não havia o menor vestígio das garotas. A aldeia parecia deserta,
havia, apenas, à vista uns meninos e um burro que vagava por perto.
O proprietário do café veio atendê-los. Era um homem baixo, troncudo, quase um anão, mas
o recebeu alegremente e pós um prato de grão-de-bico na mesa deles.
— Vocês são estranhos aqui disse ele — portanto quero aconselhar vocês. Provem meu
vinho. As uvas vêm da minha própria fazenda e é feito pelos meus próprios filhos. Eles o
misturam com laranjas e limão. É o melhor vinho da Itália.
Deixaram-no trazer o vinho numa jarra e era até melhor do que ele dizia, roxo-escuro e
forte como conhaque. Fabrizzio disse ao proprietário do café:
— Você conhece todas as moças aqui, garanto. A gente viu algumas garotas bonitas
descendo a estrada, sendo que uma delas fez o nosso amigo aqui ser atingido pelo raio.
Fabrizzio apontou para Michael.
O dono do café olhou para Michael com novo interesse. A cara quebrada lhe parecera muito
comum antes, não valendo uma segunda olhada. Mas um homem atingido pelo raio era outra
coisa.
— É melhor você levar algumas garrafas para casa, meu amigo — disse ele. — Você vai
precisar de ajuda para pegar no sono esta noite.
— Você conhece uma garota com o cabelo todo cacheado? — Perguntou Michael ao
homem. — Pele cremosa, olhos muito grandes, muito escuros. Você conhece uma garota como
essa na aldeia?
O dono do café respondeu prontamente:
— Não. Não conheço nenhuma garota assim
Os três homens beberam o vinho vagarosamente, terminaram a jarra e pediram mais. O
dono não reapareceu. Fabrizzio entrou no café à procura dele. Quando Fabrizzio saiu, fez uma
careta e disse para Michael.
— Tal como eu pensei, era da filha dele que a gente estava falando e agora o homem está
nos fundos com o sangue fervendo para fazer algum mal à gente. Penso que é melhor a gente
começar a andar para Corleone.
Apesar dos meses que já passara na ilha, Michael ainda não se acostumara à sensibilidade de
seus habitantes em matéria de sexo, e isso era uma coisa extrema mesmo para um siciliano.
Porém os dois pastores parece que encararam a situação com naturalidade. Estavam esperando
por Michael para partir. Fabrizzio disse:
— O velho salafrário falou que tem dois filhos, dois rapazes grandes e fortes, e que para
chamá-los basta assoviar. Vamos embora.