Page 226 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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em seus cabelos de cachos bem pretos, nada em seu vestido preto, liso e sério, obviamente sua
  melhor roupa domingueira. Ela lançou-lhe um olhar rápido e deu-lhe um riso insignificante antes
  de baixar os olhos recatadamente e sentar-se perto da mãe.
    Outra vez Michael sentiu aquela falta de ar, aquela invasão de seu corpo por uma coisa que
  era não somente desejo como uma posse louca. Ele compreendeu pela primeira vez o ciúme
  clássico  do  homem  italiano.  Estava  naquele  momento  disposto  a  matar  qualquer  pessoa  que
  tocasse  naquela  garota,  que  tentasse  reclamá-la,  arrebatá-la  dele.  Queria  possuí-la  tão
  selvagemente  como  um  avarento  quer possuir  moedas  de  duro,  tão  famintamente  como  um
  meeiro  quer  possuir  a  sua  própria  terra.  Nada  iria  impedi-lo  de  ter  aquela  garota,  possuí-la,
  trancá-la numa casa e mantê-la aprisionada somente para ele. Não queria que ninguém nem
  sequer a visse. Quando Apollonia se virou para sorrir para um de seus irmãos, Michael lançou ao
  rapaz um olhar homicida sem mesmo perceber. A família compreendeu logo que era um caso
  clássico do “raio” e se sentiu tranqüilizada. Esse rapaz seria uma massa maleável nas mãos da
  filha  até  casarem.  Depois,  naturalmente,  as  coisas  poderiam  mudar,  mas  isso  não  tinha
  importância.
    Michael comprara algumas roupas novas para ele em Palermo, não sendo mais o camponês
  rusticamente  vestido,  e  era  óbvio  para  a  família  que  ele  era  um  Don  qualquer.  Sua  cara
  amassada não lhe dava tão má aparência como ele acreditava; como o seu outro perfil era tão
  bonito tornava a desfiguração até interessante. E de qualquer forma isso era uma terra em que
  para ser chamado de desfigurado, o indivíduo tinha de competir com um bocado de homens que
  haviam sofrido desgraças físicas extremas.
    Michael olhou diretamente para a garota, as adoráveis formas ovais de seu rosto. Os seus
  lábios, agora ele podia ver, eram quase azuis, tão escuro era o sangue que circulava neles. Ele
  disse, não ousando pronunciar o nome dela:
    — Vi você no laranjal outro dia. Quando você saiu correndo. Espero que eu não a tenha
  assustado.
    A moça levantou os olhos para ele por apenas uma fração de segundo e balançou a cabeça.
  Mas o encanto desses olhos fez Michael olhar para longe. A mãe disse mordazmente:
    — Apollonia, fale com o pobre rapaz, ele veio de quilômetros de distância para ver você.
    As longas pestanas pretas da moça, porém, continuavam fechadas como asas sobre os seus
  olhos. Michael entregou-lhe o presente embrulhado em papel dourado, e a moça o pôs no colo. O
  pai então falou:
    — Abra-o, garota.
    Suas mãos, porém, não se mexeram. Eram mãos pequenas e morenas, mãos de menina. A
  mãe esticou o braço e apanhou o presente, abrindo o embrulho impacientemente, embora com
  cuidado para não rasgar o precioso papel. O estojo de veludo vermelho fê-la hesitar, ela nunca
  segurara tal coisa nas mãos e não sabia como manobrar o seu fecho. Mas conseguiu abri-lo por
  puro instinto e depois tirou de dentro o presente.
    Era uma pesada corrente de ouro para ser usada como colar, e causou-lhes boa impressão
  não somente devido ao seu óbvio valor, como também por que um presente de ouro naquela
  sociedade  significava  uma  afirmação  das  mais  sérias  intenções.  Não  era  menos  do  que  uma
  proposta  de  casamento,  ou  antes  o  sinal  de  que  havia  a  intenção  de  propor  casamento.  Não
  podiam mais duvidar da seriedade do estrangeiro. E não podiam duvidar de sua riqueza.
    Apollonia  ainda  não  tocara  no  presente.  A  mãe  segurara-o  para  que  ela  visse  e  a  moça
  levantou as suas longas pestanas por um momento e depois olhou diretamente para Michael, com
  os seus olhos castanhos de corça sérios, e disse:
    — Grazia.
    Era a primeira vez que ele ouvia a voz dela.
    Tinha  toda  a  meiguice  aveludada  da  juventude  e  timidez  e  fez  os  ouvidos  de  Michael
  zunirem. Ele continuou a olhar para longe e a falar com o pai e a mãe simplesmente porque
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