Page 231 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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estavam amaldiçoados para sempre. Em seguida, Luca Brasi voltou-se para Filomena e falou
asperamente:
— Faça o que eu lhe disse, eu a farei rica.
Filomena não pôde falar, tamanho era o seu terror. Balançou a cabeça. Finalmente,
conseguiu murmurar:
— Faça você, você é o pai, faça se você quiser.
Mas Brasi não respondeu. Em lugar disso, puxou uma faca de dentro da camisa.
— Eu lhe corto a garganta — ameaçou ele.
Filomena deve ter entrado em choque então, porque o que ela se lembrava a seguir era de
que todos eles estavam no porão da casa em frente de um forno de ferro quadrado. Filomena
ainda segurava a criança no cobertor, que não soltara um som sequer. (Talvez se ela tivesse
chorado, talvez se eu tivesse sido astuta demais para beliscá-la, disse Filomena, aquele monstro
tivesse revelado misericórdia.)
Um dos homens deve ter aberto a porta do forno, o fogo agora era visível. E então ela viu-se
sozinha com Brasi naquele porão com seus canos transpirantes, seu cheiro de rato. Brasi estava
com a faca na mão novamente. E não podia haver dúvida de que ele a mataria. Havia as
chamas, havia os olhos de Brasi. O rosto dele era a gárgula do diabo, não era humano, não era
normal. Ele a empurrou na direção da porta aberta do forno.
Nesse ponto, Filomena calou-se. Cruzou as mãos ósseas no colo e olhou diretamente para
Michael. Ele sabia o que ela queria dizer, sem usar a voz. Ele perguntou gentilmente:
— Você fez aquilo?
Ela acenou com a cabeça.
Foi somente após outro copo de vinho e depois de persignar-se e murmurar uma prece que a
velha continuou a contar a história. Deram-lhe um maço de dinheiro e levaram-na para casa. Ela
sabia que se pronunciasse alguma palavra sobre o que acontecera seria assassinada. Mas, dois
dias depois, Brasi matou a moça irlandesa, a mãe da criança, e foi preso pela polícia. Filomena,
assustada e fora de si, foi ao Padrinho e contou o que ocorrera. Ele mandou que ela se calasse,
que ele resolveria tudo. Nessa época, Brasi não trabalhava para Don Corleone.
Antes que Don Corleone pudesse acertar as coisas, Luca Brasi tentou o suicídio em sua cela,
cortando a garganta com um pedaço de vidro. Foi transferido para o hospital da prisão e quando
se restabeleceu Don Corleone já havia arranjado tudo. A polícia não pôde provar nada, a respeito
do caso, no tribunal e Luca Brasi foi solto.
Embora Don Corleone tivesse assegurado a Filomena que nada tinha a recear de Luca ou da
polícia, ela não tinha sossego. Seus nervos estavam em pandarecos e ela não podia mais trabalhar
em sua profissão. Finalmente, convenceu o marido a vender a mercearia e eles retornaram à
Itália. O marido era um homem bom, contaram-lhe tudo e ele compreendeu. Mas era um
homem fraco e na Itália esbanjou a fortuna que ambos fizeram na América trabalhando
arduamente. E, desse modo, depois que ele morreu ela se tornara criada. Assim Filomena
terminou a sua história. Tomou outro copo de vinho e disse a Michael:
— Abençôo o nome de seu pai. Ele sempre me mandava dinheiro quando eu pedia, ele me
salvou de Brasi. Diga a ele que eu rezo uma prece pela alma dele toda noite e que ele não deve
ter medo de morrer.
Depois que ela partiu, Michael perguntou a Don Tommasino:
— A história dela é verdadeira?
O capo-mafioso confirmou com a cabeça. E Michael pensou, não era de admirar que
ninguém quisesse contar-lhe a história. Que história. Que Luca.
Na manhã seguinte, Michael queria discutir a coisa toda com Don Tommasino, mas soube
que o velho fora chamado a Palermo por um recado urgente trazido por um mensageiro.
Naquela noite, Don Tommasino voltou e levou Michael para um canto. Tinham chegado notícias
da América, disse ele. Notícias que lamentava ter de contar. Santino Corleone tinha sido
assassinado.