Page 223 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Michael  lançou-lhe  um  olhar  frio.  Até  então  ele  fora  um  jovem  tranqüilo,  gentil,  um
  americano típico, embora pensassem que desde que estava escondido na Sicília devia ter alguma
  coisa  máscula.  Esta  foi  a  primeira  vez  que  os  pastores  viram  o  olhar  de  um  Corleone.  Don
  Tommasino,  conhecendo  a  verdadeira  identidade  de  Michael  e  sabendo  o  que  ele  tinha  feito,
  sempre era muito cauteloso com o rapaz tratando-o como um “homem de respeito” igual a si
  próprio.  Mas  esses  simples  pastores  de  ovelhas  tinham  chegado  a  uma  opinião  própria  sobre
  Michael,  e  não  era  muito  boa.  O  olhar  frio,  o  rosto  branco  rígido  de  Michael.  a  raiva  que  se
  desprendia dele como fumaça fria saindo do gelo abafaram a risada deles e fizeram desaparecer
  a amabilidade dos dois homens.
    Quando viu que conseguira a atenção apropriada e respeitosa deles, Michael disse para os
  pastores:
    — Tragam este homem aqui fora para mim.
    Eles não hesitaram. Puseram no ombro as luparas e entraram na fria penumbra do café.
  Alguns segundos depois, reapareceram com o dono do café entre eles. O homem atarracado não
  parecia de modo algum assustado, mas a sua raiva denotava certa cautela.
    Michael recostou-se na cadeira e estudou o homem por um momento. Depois falou com
  muita tranqüilidade:
    — Compreendo que o ofendi por ter falado de sua filha. Apresento-lhe minhas desculpas, sou
  um estrangeiro nesta terra, não conheço bem os costumes daqui. Preciso dizer isto. Não tive a
  intenção de desrespeitar o senhor ou a moça.
    Os pastores guarda-costas ficaram impressionados. A voz de Michael nunca soara daquele
  modo quando falava com eles. Havia imposição e autoridade nela, embora ele estivesse pedindo
  desculpas. O dono do café deu de ombros, mais cauteloso ainda, sabendo que não estava lidando
  com um simples trabalhador do campo.
    — Quem é o senhor e o que deseja de minha filha?
    Michael, sem qualquer hesitação, respondeu:
    — Sou um americano escondido na Sicília da polícia de meu país. Meu nome é Michael. O
  senhor pode informar à polícia e ficar rico, mas então a sua filha perderia o pai em lugar de
  ganhar  um  marido.  De  qualquer  modo,  quero  ver  a  sua  filha.  Com  a  sua  permissão  e  sob  a
  fiscalização de sua família. Com todo o decoro. Com todo o respeito. Sou um homem honrado e
  não penso em desonrar a sua filha. Quero vê-la, falar com ela, e então se o raio nos atingir os
  dois, nós nos casaremos. Se não, o senhor nunca mais me verá. Ela pode achar-me antipático,
  afinal de contas, e ninguém poderá remediar isso. Mas quando chegar a hora apropriada eu lhe
  contarei tudo a meu respeito que o pai de uma esposa deve saber.
    Todos  os  três  homens  olhavam  para  ele  admirados.  Fabrizzio  murmurou  com  temor
  respeitoso:
    — É o verdadeiro raio.
    O dono do café, pela primeira vez, não parecia tão confiante, ou desdenhoso; a sua raiva não
  era tão convincente. Finalmente, perguntou:
    — O senhor é amigo dos amigos?
    Como a palavra Máfia nunca podia ser pronunciada em voz alta por qualquer siciliano, isso
  foi a maneira mais aproximada que o dono do café pôde encontrar para perguntar se Michael
  era membro da Máfia. Era a maneira habitual de se perguntar se alguém pertencia à Máfia, mas
  geralmente não se perguntava assim diretamente à pessoa em questão.
    — Não — respondeu Michael. — Sou um estrangeiro neste país.
    O dono do café olhou novamente para Michael, o lado esquerdo amassado do seu rosto, as
  pernas  compridas,  coisa  rara  na  Sicília.  Deu  uma  olhada  para  os  dois  pastores  armados  de
  luparas bem abertamente sem medo e lembrou-se como haviam entrado no seu café e dito que
  o padrone queria falar com ele. O dono do café rosnara que queria o filho da puta fora do seu
  terraço e um dos pastores dissera:
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