Page 218 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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especial a Palermo para conferenciar com os professores de Taza sobre as notas que deviam dar
  a ele. E isso também mostrava como a Máfia na Sicília era grandemente prejudicial à sociedade
  que  ali  habitava.  O  mérito  nada  significava.  O  talento  nada  significava.  O  trabalho  nada
  significava. O Padrinho da Máfia outorgava à pessoa uma profissão como um presente.
    Michael  teve  bastante  tempo  para  pensar.  Durante  o  dia,  dava  um  passeio  pelo  campo,
  sempre  acompanhado  de  dois  dos  pastores  ligados  às  propriedades  de  Don  Tommasino.  Os
  pastores da ilha eram ás vezes recrutados para agir como assassinos contratados pela Máfia e
  faziam isso simplesmente para ganhar dinheiro para viver. Michael pensou na organização do
  pai.  Se  ela  contiinuasse  a  progredir,  acabaria  tornando-se  no  que  ocorrera  ali  naquela  ilha,
  acabaria tornando-se grandemente prejudicial que destruiria todo o país. A Sicília já era uma
  terra de fantasmas, seus homens emigrando para muitos outros países, a fim de poder ganhar o
  pão, ou simplesmente para escaparem de ser assassinados por exercerem suas liberdades política
  e econômica.
    Em  suas  longas  caminhadas,  a  coisa  que  mais  o  impressionava  era  a  beleza  magnífica
  daquela terra; ele andava pelos laranjais que formavam profundas cavernas sombreadas através
  do campo com os seus condutos despejando água pelas bocas providas de presas das pedras de
  grandes cobras escavadas antes de Cristo. Casas construídas como antigas villas romanas, com
  enormes  portais  de  mármore  e  grandes  salas  abobadadas,  caindo  em  ruínas  ou  habitadas  por
  ovelhas extraviadas. No horizonte, as colinas nuas brilhavam como ossos branqueados escolhidos
  e  empilhados  em  posição  vertical.  Jardins  e  campos,  cintilantemente  verdes,  adornavam  a
  paisagem deserta como brilhantes colares de esmeraldas. E às vezes ele ia caminhando até a
  cidade  de  Corleone,  com  seus  18.000  habitantes  enfileirados  em  moradias  nas  faldas  da
  montanha  mais  próxima,  casas  miseráveis  construídas  com  a  pedra  preta  arrancada  daquela
  montanha. No último ano,  tinha  havido  mais  de  60  assassinatos  em  Corleone  e  parecia  que  a
  morte toldava a cidade. Mais adiante, a floresta de Ficuzza quebrava a selvagem monotonia da
  planície arável.
    Os  dois  pastores  guarda-costas  sempre  levavam  consigo  suas  luparas  quando
  acompanhavam Michael em seus passeios. A mortífera espingarda siciliana era a arma favorita
  da Máfia. Na verdade, o chefe de polícia enviado por Mussolini para limpar a Sicília da Máfia
  tinha, como uma de suas primeiras medidas, ordenado que todos os muros de pedra da Sicília
  fossem reduzidos a uma altura não superior a um metro para que os assassinos com suas luparas
  não pudessem usar tais muros como pontos de emboscadas para os seus crimes. Isso não ajudou
  muito  e  o  ministro  da  polícia  resolveu  o  problema  prendendo  e  deportando  para  as  colônias
  penais todo indivíduo suspeito de ser mafioso.
    Quando  a  ilha  da  Sicília  foi  libertada  pelos  exércitos  aliados,  os  funcionários  do  governo
  militar  americano  acreditavam  que  toda  pessoa  aprisionada  pelo  regime  fascista  era  um
  democrata  e  muitos  desses  mafiosos  foram  nomeados  prefeitos  de  aldeias  ou  intérpretes  do
  governo militar. Essa boa sorte contribuiu para que a Máfia se reconstituísse e se tornasse mais
  poderosa ainda do que fora antes.
    As longas caminhadas, uma garrafa de vinho forte, de noite, com um bom prato de massas e
  carne, faziam Michael dormir bem. Havia livros em italiano na biblioteca do Dr. Taza, e embora
  Michael  falasse  dialeto  italiano  e  tivesse  feito  alguns  cursos  de  italiano,  a  leitura  desses  livros
  custava-lhe bastante esforço e tempo. A sua fala ficou quase sem sotaque, e embora ele nunca
  pudesse  passar  como  natural  daquele  lugar,  podia-se  acreditar  que  fosse  um  desses  estranhos
  italianos do extremo norte do país, que faz fronteira com a Suíça e Alemanha.
    A distorção do lado esquerdo do rosto tornou-o ainda mais parecido com os naturais da terra.
  Era  o  tipo  da  desfiguração  comum  na  Sicília  devido  à  falta  de  assistência  médica  ou,
  simplesmente, à carência de dinheiro. Muitas crianças e muitos homens traziam desfigurações
  que  na  América  seriam  corrigidas  por  uma  pequena  operação  ou  por  tratamentos  médicos
  especializados.
    Michael, às vezes, pensava em Kay, no seu sorriso, no seu corpo, e sempre sentia um pouco
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