Page 221 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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chamam de “o raio”.
Um pouco além do laranjal, encontravam-se os campos de listras verdes de uma
propriedade baronial. No fim da estrada do laranjal, havia uma villa tão romana que parecia ter
sido escavada das ruínas de Pompéia. Era um pequeno palácio com um enorme pórtico de
mármore e colunas gregas estriadas, através das quais vinha um bando de moças flanqueado por
duas senhoras robustas vestidas de preto. Eram da aldeia e obviamente tinham cumprido o seu
antigo dever ao barão local limpando-lhe a vila e preparando-a para a temporada de inverno do
proprietário. Agora elas iam aos campos colher as flores com as quais encheriam as salas e
quartos da villa. Estavam colhendo a sulla cor-de-rosa, a glicínia roxa, misturando-as com
florescências de limão e laranja. As moças, não vendo os homens descansando no laranjal,
foram-se aproximando cada vez mais
Usavam vestidos baratos de desenhos alegres colados ao corpo. Eram ainda adolescentes,
mas com a sua carne suada, de plena feminilidade, amadurecendo rapidamente. Três ou quatro
delas começaram a perseguir uma companheira, fazendo-a correr na direção do laranjal. A
garota perseguida segurava um cacho de enormes uvas roxas na mão esquerda e com a direita
arrancava uvas do cacho e atirava-as nas suas perseguidoras. Tinha uma coroa de cabelos
cacheados tão escuros como as uvas que segurava, e seu corpo parecia irromper de sua pele.
Já perto do laranjal ela se equilibrou, espantada, quando os seus olhos divisaram a cor
estranha das camisas dos homens. Permaneceu ali na ponta dos pés, equilibrada como um veado
pronto para correr. Agora ela estava bem perto, tão perto que os homens puderam ver todos os
traços do seu rosto.
Ela era toda oval — olhos ovais, ossos do rosto ovais, o contorno de sua sobrancelha também
oval. A sua pele era de uma esquisita cor creme-escura e os seus olhos, enormes, cor violeta ou
castanhos-escuros, com pestanas compridas e cerradas sombreando o seu rosto encantador. A
sua boca era fascinante sem ser grossa, meiga sem ser fraca e estava manchada de vermelho-
escuro com o suco das uvas. Ela era tão incrivelmente encantadora que Fabriz zio murmurou:
“Jesus Crísto, leve a minha alma, estou morrendo”, de brincadeira, mas as palavras saíram um
pouco altas. Quando o ouviu, a garota saiu da posição de equilíbrio na ponta dos pés, rodopiou
rapidamente e voltou correndo na direção de suas perseguidoras. Suas ancas moviam-se como as
de um animal por baixo do pano apertado de seu vestido; de modo bem pagão e inocentemente
voluptuoso. Quando chegou junto das amigas, ela rodopiou novamente e o seu rosto era como
que uma depressão escura no campo de flores cintilantes. Ela estendeu o braço, a mão cheia de
uvas apontando na direção do laranjal. As garotas fugiram gargalhando, com as senhoras
robustas, vestidas de preto, repreendendo-as.
Quanto a Michael Corleone, ele se viu de repente em pé, com o coração batendo-lhe no
peito; sentiu uma pequena tonteira. O sangue circulava aceleradamente através de seu corpo,
através de todas as suas extremidades, e se chocava nas pontas dos dedos das mãos e dos pés.
Todos os perfumes da ilha vieram precipitadamente com o vento, das florescências de limão e
laranja, das uvas, das flores. Parecia que o seu próprio corpo tinha saltado para fora dele mesmo.
E então ele ouviu os dois pastores rirem.
— Você foi atingido pelo raio, hem? — perguntou Fabrizzio, batendo- lhe no ombro.
Até Calo se mostrou amável, tocando-lhe no braço e dizendo carinhosamente:
— Calma, homem, calma.
Era como se Michael tivesse sido atropelado por um carro. Fabrizzio passou-lhe uma garrafa
de vinho e Michael bebeu um longo trago. Isso clareou-lhe a cabeça.
— Que diabo vocês, seus malditos apaixonados de ovelhas, estão dizendo? — perguntou ele.
Os dois pastores riram. Calo, com seu rosto honesto denotando a maior seriedade, respondeu:
— Você não pode esconder o raio. Quando ele atinge uma pessoa, todo mundo vê. Por Deus,
homem, não se envergonhe disso, alguns homens rezam pelo raio. Você é um sujeito de sorte.
Michael não gostou muito de ter as suas emoções lidas com tamanha facilidade. Mas era a
primeira vez na vida que tal coisa lhe acontecia. Não era nada semelhante a suas paixões de