Page 144 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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                  A tutela que necessita ‘de fazer, não fazer, entrega de coisa ou pagamento de quantia’, é uma tutela que não é prestada por uma sentença
                  que basta por si só, como a sentença declaratória – que não pode e não precisa ser executada –, uma vez que exige meios de execução. Tal
                  tutela é prestada pela sentença e pelos meios executivos, ou melhor, por uma sentença cuja natureza é delineada com base nos meios de
                  execução que a complementam (...). Portanto, a execução, no Estado constitucional, não pode ser reduzida a um ato de transferência de
                  riquezas de um patrimônio a outro, devendo ser vista como a forma ou o ato que, praticado sob a luz da jurisdição, é imprescindível para a
                  realização concreta da tutela jurisdicional do direito, e assim para a própria tutela prometida pela Constituição e pelo direito material.


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                  Lembre-se de que no direito italiano a tutela inibitória passou a ser prestada sob o manto protetor da tutela cautelar em razão das novas
                  exigências de tutela; não em virtude de especial disposição legislativa ou de interpretação doutrinária que tivesse enxergado no art. 700
                  do  CPC  italiano  a  base  de  um  princípio  geral  de  prevenção.  Se  o  art.  700  do  CPC  italiano  passou  a  servir  de  base,  em  razão  das
                  necessidades concretas de tutela, à tutela inibitória, isto não quer dizer que a tutela cautelar, na sua gênese, constituía um gênero a que
                  pertencia a tutela inibitória. Ao contrário, a tutela cautelar inominada jamais abrangeu a tutela inibitória, até porque seria contraditório
                  pensar que uma tutela que foi desenhada para ser “instrumento do instrumento” poderia viabilizar a tutela preventiva em um sistema de
                  tutelas  finais  que  foi  construído  sobre  a  ideia  de  que  o  direito  material  só  pode  ser  prevenido  em  hipóteses  excepcionais.  Na  verdade,  é
                  completamente ilógico imaginar que, em um sistema que trabalha apenas com as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória (as
                  quais não viabilizam a concessão de tutela inibitória), a tutela cautelar – criada para dar efetividade à jurisdição – poderia ir além da sua
                  função de segurança do processo, extrapolando dos seus limites para dar tutela ao próprio direito material, e assim tornar sem sentido a
                  própria “ação principal”. É certo, portanto, que a tutela cautelar, quando originariamente pensada, não podia se confundir com a tutela
                  inibitória. Se essa confusão foi instalada na prática forense em virtude da própria necessidade de tutela adequada dos direitos, é tarefa da
                  doutrina eliminá-la, esclarecendo que a tutela inibitória não se identifica com a tutela cautelar, constituindo a primeira uma forma de
                  tutela  que  ainda  é  confundida  com  a  cautelar,  em  razão  de  a  doutrina  não  ter  separado  conceitualmente  as  noções  de  prevenção  e
                  cautela. No Brasil, aliás, diante dos arts. 536 do CPC e 84 do CDC, e assim da evidência da ação inibitória – que é de conhecimento e,
                  portanto,  autônoma  –  constitui  verdadeira  heresia  continuar  confundido  tutela  cautelar  com  tutela  inibitória.  A  tutela  inibitória,  no
                  Brasil, ao contrário do que acontece na Itália, não precisa ser requerida com base em uma norma construída para servir de base à tutela
                  cautelar. No Brasil, assim, justamente porque a inibitória tem endereço nos arts. 536 do CPC e 84 do CDC, jamais surgirá o problema que
                  aparece na prática italiana quando é requerida tutela inibitória sob o rótulo de cautelar, e indaga-se, com surpresa, a respeito da sua
                  instrumentalidade. A distinção entre prevenção e cautela, se realizada no direito italiano, poderia inviabilizar a tutela inibitória sumária
                  atípica na própria ação declaratória; certamente por isso, ou seja, para não se construir uma teoria contra as próprias necessidades da vida,
                  é que a doutrina italiana se mantém calada sobre o assunto. No direito brasileiro, porém, onde estão presentes os instrumentos processuais
                  dos arts. 536 do CPC e 84 do CDC, deve ser prontamente revelado o equívoco da confusão entre a tutela cautelar e a tutela inibitória, pois
                  somente  assim  o  uso  do  processo  civil  será  mais  adequado  e  efetivo.  Com  efeito,  a  confusão  entre  tutela  inibitória  sumária  e  tutela
                  cautelar  também  decorre  da  exigência  prática  de  tutela  inibitória  em  um  sistema  de  tutelas  fundado  sobre  o  binômio  sentença
                  condenatória-execução  forçada.  Teoricamente,  em  um  sistema  como  este,  não  há  lugar  para  a  tutela  inibitória  atípica  sumária,  mas
                  apenas para aquela que deseja garantir a tutela final do direito violado. Portanto, a necessidade de separar conceitualmente as tutelas
                  inibitória e cautelar deriva, de um lado, da evidência da imprescindibilidade da tutela inibitória na sociedade contemporânea, e, de outro,
                  do  surgimento  de  novas  sentenças  e  meios  de  execução,  os  quais  se  colocam  ao  lado  das  sentenças  declaratória,  constitutiva  e
                  condenatória  (as  únicas  que  eram  admitidas  pela  doutrina),  viabilizando,  assim,  a  concessão  de  tutelas  que  antes  não  podiam  ser
                  prestadas, e desta forma uma maior efetividade ao processo. Ora, se o Código de Processo Civil consagra expressamente as sentenças
                  mandamental e executiva e a antecipação da tutela, há bastante luz para afirmar, sem medo de errar, que a tutela inibitória deve ser
                  prestada através de ação inibitória, e assim não pode mais ser confundida com a cautelar. Lembre-se, finalmente, de que as tutelas, sejam
                  elas finais ou antecipadas, devem ser classificadas a partir de sua relação com o plano do direito substancial. Ora, se o nexo de separação-
                  abstração  do  direito  processual  do  direito  material,  transmitido  pelo  pensamento  chiovendiano,  pode  hoje  ser  considerado
                  historicamente  superado,  constituindo  preocupações  da  doutrina  mais  moderna  a  relativização  do  binômio  direito-processo  e  a
                  construção de tutelas jurisdicionais aderentes às diversas necessidades do direito material, é evidente que as tutelas não mais devem ser
                  classificadas com base em critérios processuais, como é o da provisoriedade, devendo, sim, merecer atenção o que as tutelas significam no
                  plano do direito material e na vida das pessoas. Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela contra o ilícito, esp. capítulos II e III.


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                  Fritz Baur, Studien zum einstweiligen Rechtsschutz,  p.  52  e  ss.  Em  sentido  contrário,  porém,  na  doutrina  alemã:  Othmar  Jauernig,  Der
                  zulässige Inhalt einstweiliger Verfügungen, ZZP, 1966, p. 333 e ss.


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                  Nesse  sentido  é  significativa  a  afirmação  de  Vittorio  Denti:  “La  stella  del  giudicato  sembra  così  destinata  ad  impallidire  nel  sistema
                  complessivo della tutela” (“Intervento”, La tutela d’urgenza, Atti del XV Convegno Nazionale, Bari, 4-5 Ottobre 1985, p. 167).


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