Page 91 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
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CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
As nossas servidões prediais se denominavam não servitutes praediorum, mas
jura praediorum, quer dizer, direitos dos prédios e não sobre prédios (Ruy Cirne
Lima, Rev. Jur., 27:6). A incidência exterior do jus fundi designava então (e disso
os vestígios subsistem ainda) meramente a porção de terreno ou o acidente físico
que o conteúdo do direito pressupunha: ne alio loco cadat ... quam in quo posita
servitus est. Os acidentes físicos, supostos pelas servidões prediais, podiam ser o
edifício, ainda que rural, o caminho, as águas, as areias, as árvores, os arbustos ou
as pastagens (cf. Ruy Cirne Lima, Rev. Jur., 27:6). Na concepção pós-clássica,
desmaterializa-se a servidão predial, embora o processo de abstração comece na
época clássica. Não é mais o acidente físico que caracteriza a servidão, mas a uti-
lidade, isto é, o prédio deve ser útil a outro ou a uma pessoa, independentemente
da valoração jurídica da res serviens. Portanto a construção jurídica da servidão
reduz-se à utilitas e ao usus "que não é senão a utilitas in actu. O usus, considera-
do como potestas (forma originária indiferenciada da estrutura jurídica romana), e
o usus, como título à aquisição de outras potestates e dirigido contra aquele que
tem potestas, reaparecem, já agora, com a depuração conceitual da servidão a legi-
timar in potentia, pela utilitas, o surgimento daquela e in actu a sua mesma exis-
tência, de si extinguível pelo não uso" (cf. Ruy Cirne Lima, Rev. Jur., 27:7). Daí a
razão dessa restrição à propriedade, ou seja, de que "nem sempre o prédio reúne
em si todas as condições de que o proprietário há mister para tirar dele todas as
vantagens e utilidades que encerra"; por isso "a necessidade das servidões, que não
são outra coisa senão direitos por efeito dos quais uns prédios servem aos outros"
(cf. Lafayette, Direito, cit., p. 301).
Chegamos assim à clássica definição de servidão: "Servitus est jus in re aliena
constitutum, quo dominus in re sua aliquid pati vel non facere tenetur in alterius
utilitatem" (Servidão é o direito constituído, pelo qual o senhor tolera algo em sua
coisa ou é obrigado a não fazer para utilidade de outrem).
4. Decorrência da noção de servidão. Art. 1.378 do CC/02.
O que caracteriza a servidão. Utilitas. Contiguidade dos
prédios. Perpetuidade da servidão. Causa perpétua da
servidão no direito romano. Indivisibilidade das servidões.
Art. 1.386 do CC/02
Da noção de servidão predial decorrem os seguintes princípios que devem ser,
desde logo, destacados, pois complementam o estudo que se vai fazer das servidões
prediais rurais:
a) A existência de dois prédios, pois "proporciona utilidade para o prédio do-
minante e grava o prédio serviente (CC/02, art. 1.378). É um direito real sobre o
imóvel alheio. Para que se verifique a servidão é preciso que se desmembre uma
porção maior ou menor de vantagens do conteúdo do imóvel onerado, embora recaia
sobre todo o prédio. Não é um direito acessório do direito de propriedade, mas é
parte integrante deste.
A necessidade da existência de dois prédios exclui, portanto, que se estabeleça
servidão no próprio prédio (Nulla res sua servit ou Nullum praedium ipsum sibi
servit). Extingue-se a servidão quando o prédio serviente passa para o domínio do
proprietário do prédio dominante. Igualmente, se o prédio serviente passa a herdeiros
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