Page 15 - ASAS PARA O BRASIL
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Estamos  no  final  da  Segunda  Guerra  Mundial,  os  tickets,  cartões  de
                  racionamento e o “cartão do pão” ainda eram atuais e só desapareceriam
                  em 1949.

                  Coube a um preceptor perseverante e paciente da região de Yonne a tarefa

                  de  me  ensinar  o  francês  nas  regras  e  começar  a  moldar  a  minha
                  personalidade, de novo longe da  minha família, num novo  domicílio.  O
                  nome dele era Senhor Chevalier; ele foi professor no colégio de Flogny-la-
                  Chapelle onde vivia com sua esposa numa pequena casa onde aprendi os
                  rudimentos da vida no campo, cortando e serrando madeira, arrumando o
                  meu quarto e muito mais.


                  Eu soube bem mais tarde que o meu primeiro padrasto também tinha sido
                  aluno dele. Ele tinha o costume de me repetir, ao falar da bicicleta dele: “O
                  material de antes da guerra era melhor do que o de hoje”; era o jeito dele
                  de dizer que havia bravamente combatido e vencido a guerra de 1914.

                  A região de Yonne é linda, mas difícil. A região da Borgonha me ensinou as
                  delícias de sua gastronomia, com as suas festas de casamento que duravam

                  mais de uma semana. O forasteiro, o “panaca”, o “bobo”, são dificilmente
                  aceitos.

                   Isto confortava em mim uma espécie de vazio afetivo; eu me considerava
                  como  um  “mal-amado”  nesse  vilarejo;  eu  era  visto  como  um  menino
                  singular, embaraçoso, rebelde.


                         Depois de um longo período de adaptação aos bons costumes locais,
                  aos quais eu me curvava docilmente, eu ia ao colégio municipal a mais ou
                  menos um quilômetro de casa, a mochila nas costas calçando as minhas
                  galochas pregadas e barulhentas, endurecidas pelo frio e encharcadas pela
                  neve.


                   Quando penso, ainda sinto o frio e o barulho de quando percorria aquele
                  trajeto.

                  Os gansos de uma fazenda vizinha, onde só a natureza selvagem bate nos
                  muros de pedra ressecada, tinham pegado o costume de me esperar para
                  beliscar  as  minhas  canelas  no  caminho  que  me  levava  à  escola;  outros
                  gansos me perseguiam grasnando.


                  Só o vazio pode fazer tanto estrago sonoro quanto estes “bobos”.
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