Page 82 - ASAS PARA O BRASIL
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Pela primeira vez, fazia o balanço da minha existência, colocando na
                  coluna  “passivo”  tudo  o  que  não  tinha  feito  por  falta  de  tempo:  uma
                  educação  particularmente  agitada,  um  pai  que  tinha  o  hábito  de
                  descarregar a sua raiva batendo em mim com o seu cinto; três divórcios,
                  uma vida profissional estressante, a escravidão da servidão.


                  Todos esses motivos beirando os sessenta anos me levaram a um estado
                  depressivo, eu me sentia isolado e completamente perdido.

                  Uma boa amiga me indicou uma psicoterapeuta. Era uma linda mulher, de
                  certa  idade,  olhos  azuis  penetrantes,  fascinantes.  Eu  lamentei  não  a  ter
                  conhecido quando era mais jovem. Ela me exortou a cuidar de mim e deixar

                  os  outros  cuidarem  de  si.  Eu  acho  que  não  mudei  muito  em  relação  a
                  “deixar os outros cuidarem de si”.

                  Devemos aceitar a necessária imperfeição da existência?


                  Eu  me  dei  conta  que  querer  eliminar  a  angústia  equivale  a  uma  perda
                  temporal, é como querer eliminar o mau tempo.

                  Qualquer um que tiver uma grande força de caráter é mais ou menos frágil
                  por dentro e essa capacidade, essa virtude de cuidar dos outros, pode um
                  dia abandonar você.


                  Meu papel de “ambulância” estará presente, mais adiante, mais ou menos
                  operante e unicamente em certas circunstâncias.

                  Eu me tornei mais seletivo.


                  Durante oito meses, essa mulher encantadora me ajudou a me reencontrar,
                  mas  não  curou  todas  as  sequelas  da  minha  vida,  as  quais,  espero  que
                  cicatrizem com o tempo, com a minha nova vida no Brasil.

                  A escolha dessa vida nova foi talvez uma subversão social!

                  Durante  a  minha  depressão,  quaisquer  eventos  tomavam  proporções
                  estranhas; eu me sentia vazio, sombrio, irascível, fechado, sempre cansado.


                  Os sentimentos, a minha energia que sempre costumava me animar, tinha
                  se dissolvido, decomposto, batido asas.

                  Um dia de sol, enquanto passeava sob as árvores em Auteuil, eu parei na

                  frente de uma igreja perto do grande asilo de Sainte Perrine.

                  Em frente dessa construção de cor branca havia um só banco vazio e eu me
                  sentei nele.
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